O céu estava escuro alertando já estar pelas tantas da
madrugada. A luz invadia a janela, era luz da Lua, era luz dos prédios, era luz
dos poucos carros na rua. O teto estava sem cor, branco, todas as cores:
branco. Duas pessoas deitadas numa cama que não às aguentava, rangia, rangia
pela madrugada adentro.
O Sol teimava, não queria raiar. A insônia não queria largar
aquele corpo nu e debaixo das cobertas o frio era suportável. Tentou pensar em
alguma coisa, mas a cabeça não queria trabalhar, ela só funcionava durante o
dia.
As luzes sobrepunham-se aos poucos, o Sol estava invadindo o
chão do quarto, as luzes da rua estavam se apagando, aumentou o fluxo dos
carros e o barulho também. Os vizinhos acordavam para acometer o crime da
rotina, do cotidiano, do enojado dia-a-dia.
Era o que o corpo estatelado na cama pensava, queria pelo
menos. Não ter uma rotina. Acordava, lavava o rosto e às vezes tomava um banho.
Tomava o iogurte na geladeira, fritava um ovo, esquentava o pão dormido, trocava
de roupa e ia à biblioteca. Pegava alguns livros, passava a manhã toda lá. Não
se importava com a fome até bater o meio-dia quando voltava para cozinhar, quer
dizer, esquentar as sobras do dia anterior. À tarde ia trabalhar, trabalhava
meio expediente e isso pagava suas contas. Preferia gastar metade do seu dia
lendo algo na biblioteca do que fazendo (mais) dinheiro para o patrão. Chegou a
pensar em trabalhar em tempo integral, mais o salário não ia aumentar nem 50 por
cento.
Quando o dia estava indo embora se arrumava rapidamente para
sair do trabalho, tinha de aproveitar o começo da noite para escrever. Saia
pelas ruas e tirava fotos com sua velha máquina. Apesar de velha, a máquina
produzia bons resultados. Das fotos, parava num bar, pegava a caneta e
escrevia. Olhava para as fotos e escrevia.
Depois, voltava para casa. Deitava-se com o outro corpo e
transavam. Não se cansava, quer dizer, se cansava, mas sua insônia não o
deixava dormir. Seu corpo não dormia há dias. Muitos dias. Muitos dias se repetiam,
mas procurava se enganar e dizia:
- pelos menos o pão dormia e pelos menos os vizinhos
acordam, o Sol se põe e a Lua também desaparece – pensou enquanto estava na
cama, mais uma vez – minha coluna não aguenta meu trabalho, a inspiração está
falhando e eu tenho que publicar alguma coisa. Não vivo na rotina, ela que me
persegue, e me envia essa insônia maldita para me enganar de tudo. A insônia
tira minha percepção das coisas, queria conseguir aproveitar o tempo, mas, é
impossível com o corpo cansado. Queria chorar, mas, com os olhos vidrados as
lágrimas secaram. Só consigo olhar para o teto branco, quer dizer
multicolorido, que é a mesma coisa que branco. Deve ser o efeito da insônia,
pensar essas besteiras, repetir o dia-a-dia. Acho que me confundi, insônia gera
o dia-a-dia ou o dia-a-dia gera a insônia? Não consigo resolver a equação,
nunca fui bom em matemática. Talvez não seja matemática, é psicologia ou
sociologia. É! O dia-a-dia é um problema da sociedade! Então porque me deixo
levar pelo dia-a-dia? Pensei ser livre para fazer escolhas. Eu escolhi
trabalhar meio expediente para poder ler na biblioteca e produzir, escrever.
Não, isso foi dica dos meus amigos. O que é meu mesmo? Que pensamento é meu? O
que sei é que trabalho para os outros, me pagam uma parte, eu pago as
dívidas e quem recebe meu dinheiro faz alguma coisa com ele. Já sei! É o
dia-a-dia que gera a insônia, até porque a rotina me cansa, me deixa com náuseas,
me enoja, mas, me enoja tanto que perco o sono! E se eu perco o sono e por isso
não tenho forças para fazer nada de diferente do meu dia-a-dia? É difícil resolver.
Se é que isso é uma equação.
(Y.S.S.)