quinta-feira, 28 de junho de 2012

Equação



O céu estava escuro alertando já estar pelas tantas da madrugada. A luz invadia a janela, era luz da Lua, era luz dos prédios, era luz dos poucos carros na rua. O teto estava sem cor, branco, todas as cores: branco. Duas pessoas deitadas numa cama que não às aguentava, rangia, rangia pela madrugada adentro.

O Sol teimava, não queria raiar. A insônia não queria largar aquele corpo nu e debaixo das cobertas o frio era suportável. Tentou pensar em alguma coisa, mas a cabeça não queria trabalhar, ela só funcionava durante o dia.

As luzes sobrepunham-se aos poucos, o Sol estava invadindo o chão do quarto, as luzes da rua estavam se apagando, aumentou o fluxo dos carros e o barulho também. Os vizinhos acordavam para acometer o crime da rotina, do cotidiano, do enojado dia-a-dia.

Era o que o corpo estatelado na cama pensava, queria pelo menos. Não ter uma rotina. Acordava, lavava o rosto e às vezes tomava um banho. Tomava o iogurte na geladeira, fritava um ovo, esquentava o pão dormido, trocava de roupa e ia à biblioteca. Pegava alguns livros, passava a manhã toda lá. Não se importava com a fome até bater o meio-dia quando voltava para cozinhar, quer dizer, esquentar as sobras do dia anterior. À tarde ia trabalhar, trabalhava meio expediente e isso pagava suas contas. Preferia gastar metade do seu dia lendo algo na biblioteca do que fazendo (mais) dinheiro para o patrão. Chegou a pensar em trabalhar em tempo integral, mais o salário não ia aumentar nem 50 por cento.

Quando o dia estava indo embora se arrumava rapidamente para sair do trabalho, tinha de aproveitar o começo da noite para escrever. Saia pelas ruas e tirava fotos com sua velha máquina. Apesar de velha, a máquina produzia bons resultados. Das fotos, parava num bar, pegava a caneta e escrevia. Olhava para as fotos e escrevia.

Depois, voltava para casa. Deitava-se com o outro corpo e transavam. Não se cansava, quer dizer, se cansava, mas sua insônia não o deixava dormir. Seu corpo não dormia há dias. Muitos dias. Muitos dias se repetiam, mas procurava se enganar e dizia:

- pelos menos o pão dormia e pelos menos os vizinhos acordam, o Sol se põe e a Lua também desaparece – pensou enquanto estava na cama, mais uma vez – minha coluna não aguenta meu trabalho, a inspiração está falhando e eu tenho que publicar alguma coisa. Não vivo na rotina, ela que me persegue, e me envia essa insônia maldita para me enganar de tudo. A insônia tira minha percepção das coisas, queria conseguir aproveitar o tempo, mas, é impossível com o corpo cansado. Queria chorar, mas, com os olhos vidrados as lágrimas secaram. Só consigo olhar para o teto branco, quer dizer multicolorido, que é a mesma coisa que branco. Deve ser o efeito da insônia, pensar essas besteiras, repetir o dia-a-dia. Acho que me confundi, insônia gera o dia-a-dia ou o dia-a-dia gera a insônia? Não consigo resolver a equação, nunca fui bom em matemática. Talvez não seja matemática, é psicologia ou sociologia. É! O dia-a-dia é um problema da sociedade! Então porque me deixo levar pelo dia-a-dia? Pensei ser livre para fazer escolhas. Eu escolhi trabalhar meio expediente para poder ler na biblioteca e produzir, escrever. Não, isso foi dica dos meus amigos. O que é meu mesmo? Que pensamento é meu? O que sei é que trabalho para os outros, me pagam uma parte, eu pago as dívidas e quem recebe meu dinheiro faz alguma coisa com ele. Já sei! É o dia-a-dia que gera a insônia, até porque a rotina me cansa, me deixa com náuseas, me enoja, mas, me enoja tanto que perco o sono! E se eu perco o sono e por isso não tenho forças para fazer nada de diferente do meu dia-a-dia? É difícil resolver.

Se é que isso é uma equação.

(Y.S.S.)