Em um desses acontecimentos
mundiais de moda, que podem acontecer na França, Inglaterra, Nova York ou
Berlim, Claire estava procurando por Anna. Estava trabalhando, era jornalista
de renome numa desses jornais reconhecidos mundialmente por ter notícias que
valessem a pena serem lidas. Mas, porque uma jornalista de um jornal de renome
estava cobrindo um evento de moda? Claire perguntou isso ao seu editor chefe e
teve como resposta um: VÁ LOGO, DEPOIS TE MOSTRO O MOTIVO. Para Claire era
difícil fazer reportagem sem saber o que estava investigando, sem saber um tema,
um objetivo, quem entrevistar, e o que perguntar.
Decidiu fazer anotações acerca do
evento completo. Era intrigante como um evento de moda conseguia servir de imã
para tanta gente estranha. Eram maquiagens extravagantes com cores mais extravagantes
ainda, cortes de cabelo representando montanhas, animais, ondas do mar, coisas
de outro mundo. E as roupas? Incrivelmente loucas e totalmente desconectadas
com o mundo atual, pensando num futuro distante aonde o céu não será mais o
limite.
Parece que tudo é de um mundo futurístico
predestinado a vir antes do tempo, e amanhã todos estarão se vestindo daquele
jeito, claro que se tiverem alguns mil euros. Definitivamente Claire não sabe o
que faz ali. Ela procura, procura e não acha nada. Procura, procura e não acha
nada. Havia estudado na universidade algo sobre pesquisa antropológica,
sociológica, psicologia social e de como aquilo poderia ajudá-la a pensar na
entrevista de moda. Tinha lido algo sobre o “mundo líquido” da pós-modernidade,
mas, tudo aquilo parecia mais as histórias de Isaac Asimov ou Aldous Huxley.
Entre este turbilhão de ideias, Claire avistou Anna.
Fazia alguns meses que elas não
se falavam. O “(a) incidente” da ultima vez que elas se encontraram foi
estranho para as duas. Foi difícil perceber que tinham transado, Anna era como
uma melhor amiga, uma mulher linda e irresistível, que estava no topo do
sucesso depois de ter deslanchado através do ensaio fotográfico feito por
André. Mas, é claro, fazia algum tempo que Claire estava perdidamente apaixonada
por Anna, ela nunca tinha visto a amiga nua, e viu pela lente de André. André
tinha um olhar excepcional para a beleza feminina, era sensual e sexy sem ser
ousado, era desejando sem salivar, era como se degustasse uma taça de vinho.
Para Anna a coisa foi mais
complexa, Claire lembra bem como foi a reação na manhã seguinte ao
acontecimento. Anna acordou com a calcinha dela no rosto, estava ainda de
ressaca, mas conseguiu levantar os olhos e chamou por Claire. Uma vez com a voz
baixa, na segunda um pouco mais alta, e na terceira já gritando: CLAIREEEEEE. Claire
correu da cozinha, estava preparando um café da manhã caprichado, e foi para o
quarto, Anna estava sentada na cama segurando a calcinha.
- O que diabos fizemos? – Anna perguntando com voz irritada
e tom de quem não lembra nada, mas, lembrando tudo.
- Bem, começamos bebendo muito, depois, viemos para cá,
depois começamos a tirar as roupas...
- Pode parar! – Anna interrompe Claire bruscamente – eu sei
o que aconteceu, eu apenas quero entender porque aconteceu.
- Sabe, eu também não sei, iria te fazer a mesma pergunta,
mas, com um tom menos agressivo que esse – Claire com certeza já sabia o
caminho da conversa, ela iria pegar suas coisas e sair correndo dali deixando
lágrima escorrerem no rosto.
- Bem, eu não faço a mínima ideia, senão não estaria lhe
perguntando e qual o problema com meu tom, você tem de entender, nunca pensei
que transaria com uma mulher!
- Dizem que para tudo existe uma primeira vez – Claire quase
foi interrompida por Anna novamente por tentar justificar com uma besteira
dessas, mas, logo ajeitou o ponto – mas, acho que essa justificativa não vale
talvez minha cantada tenha sido boa, ou estávamos bêbadas demais para pensar,
ou talvez você tenha me desafiado a algo, não lembro bem, sei apenas que queríamos
aquilo, tanto que acordamos sem sentir dores, sem sentir medo ou dúvida, apenas
querermos entender o caso. Estou certa?
- Em partes. Claire, você é minha amiga a anos, nunca
imaginei isso de nós. Como podemos? Tudo bem, não tenho culpa, até acho que foi
melhor ter tido essa primeira experiência com você, mas, foi tudo muito rápido
e você, você parece estar com uma aura incrível, bem diferente de ontem. Você
realmente gostou da noite, não que tenha sido ruim, mas, sei lá, como se já
estivesse desejando tudo. Tudo estava desejado previamente.
- Anna, você está certa, eu estava te amando a algum tempo. –
O silêncio demorou uma eternidade, mas, foi de apenas meio minuto (uma
eternidade do mesmo jeito).
- Claire, como assim? Sempre fomos amigas, como assim? Se
você, não pode ser minha amiga, também não deve existir amizade entre homens e
mulheres!
- Calma Anna, você está confundindo tudo. Nosso, que dizer,
meu caso foi particular. Eu sempre lhe vi como amiga, assim como com outras
amigas. Você as conhece, mas, com você tudo foi diferente. Eu já estava caindo
de amores por você antes mesmo de você ter aquele caso com o André, sabe, você
tinha uma história intrigante, tinha uma conversa inteligente, tinha esse seu
ar de menina nova, mas, com muitas experiências para dividir. Sei lá, você é
encantadora e...
- Claire, para, para, PARA. – Ouvir aquilo de uma mulher era
extremamente estranho para Anna, ainda mais vindo de Claire, sua amiga! – Sabe,
eu gostaria de dizer que estou bem com tudo isso, ou que poderia lhe ouvir e
procurar entender a situação, mas, na verdade gostaria que você saísse e me
deixasse pensar.
As palavras
ainda zumbiam na mente de Claire, logo depois dessas palavras ela vestiu-se e saiu
do apartamento e nem soube se Anna comeu aquele café da manhã todo especial com
iogurte, frutas, torradas e patê de tomate seco. Bem, ela tentou esquecer tudo,
mas era difícil, doía no peito pensar em Anna. Ao vê-la, sabia: o amor ainda
existia, mas, será que ia ser correspondido, será que o olhar ia ser
correspondido?
Anna
avistou Claire ainda de longe, mas, perto o bastante para Claire perceber a
pupila de Anna se dilatando, o rosto contraia-se a fim de mostrar a surpresa e
ao mesmo tempo a excitação de ver Claire. Deixando Claire animada, as duas
caminharam uma ao encontro da outra. Estava a um palmo de distancia. Claire com
uma vontade interminável de pedir desculpa e terminar a frase com um beijo,
imaginando que Anna poderia retribuir o beijo. Mas, lembrou-se que todos ali
conheciam Anna, e alguns ali reprovariam aquilo e alguns poucos dali iriam
tirar fotos, fotos, vende-las e ganhar uma boa matéria com isso.
A noite
parecia mais escura, Anna olhava para Claire, e a única coisa que conseguiram
falar antes de chamarem Anna foi um “Oi, como você está? Quanto tempo né?
Porque você está aqui? Cobertura da revista ¬¬?”. Apenas poucas palavras, não
falaram do principal, não falaram delas. Anna teve que ir se trocar, logo iria
estar na passarela, com roupas estranhas, sem beleza, sem sensualidade. Claire
foi fazer a cobertura.
No começo
do evento, Claire estava distraída, sem saber o que fazer, anotava tudo.
Celebridades, estilistas renomados, e por fim foi ver os fotógrafos que faziam
a cobertura. Eis que viu André. Sentiu aquela falta de ar que começa na
barriga, aquele frio, seria difícil falar com Anna sabendo que André estava lá,
será que eles voltaram nesses meses? Será que ele estava ali para falar com
Anna e dizer que estava perdidamente apaixonado? Será que ele iria propor a ela
outro ensaio fotográfico daqueles, nua? Claire não aguentaria nada disso. Era
demais para ela, esboçou uma lágrima, mas, não poderia ficar assim, era tudo,
por enquanto, imaginação.
Quando tudo
acabou, depois de ter anotado bastante, depois de ter prestado bastante atenção
nos clicks de André, Claire foi falar com Anna. Ela e André chegaram na mesma
hora, a insegurança era latente e a curiosidade também, o que ele queria com
seu amor? O que? Anna ao ver os dois pediu para que esperasse, ia se trocar,
tomar um banho rápido e iam sair para jantar, os três. Os três!
Era um
restaurante comum, porém, sofisticado, sentaram, pediram um vinho e começaram a
conversar.
- Sabe Anna, faz muito tempo que não nos vemos, estava pensando
em lhe convidar para outro ensaio, o primeiro causou muitos alvoroços e isso
foi valioso para nossas carreiras, mas, dessa vez seria diferente. Estou
orientando uma jovem fotógrafa e gostaria que você estivesse no ensaio dela,
seria bom para a carreira dela, sabe? Impulsionaria bastante – falou André,
totalmente interessando na mulher chamada Claire, intrigante pessoa, que olhava
para ele com uma curiosidade imensa.
- André, claro que aceito. Vocês já tem um motivo? –
perguntou Anna, muito interessada no ensaio e na nova fotógrafa, mas, não
queria demonstrar o interesse até porque Claire estava ali, o que ela acharia
de tudo isso?
- Queremos trabalhar com vermelho e espelhos, dar cor a
tudo, brincar com as perspectivas e com a tonalidade da pele e das roupas,
sempre usando roupas – André percebeu que depois que falou de roupa o semblante
de Claire pareceu menos preocupado, como se aceitasse a proposta por Anna, como
se não quisesse ver Anna nua novamente.
- Claro, interessante, mas, deixe-me lhes apresentar
direito, André está é Claire, uma amiga minha de longas datas e jornalista
renomada. Claire este é André e não exige apresentações demoradas.
- Prazer Claire, então você é a jornalista fantasiada de
mulher bonita? Tive medo de que isso acontecesse um dia, e aqui estou,
incrivelmente sentado ao lado de uma jornalista – André demonstrou logo o
desconforto de estar ao lado de uma jornalista, não gastava de falar e tudo
estar a um passo de sair na mídia.
- Calma, André, eu não trabalho nessas revistas de fofocas
não, e também não venderia informação alguma. Estou aqui cobrindo a semana de
moda, apesar de não saber o por que, engraçado né, fazer a cobertura de algo
sem saber o motivo.
- Sem problema Claire, às vezes tiro fotos e só descubro o
motivo que as tirei anos depois, quando estou vasculhando o arquivo. É
interessante, tenho uma foto da Anna que nunca publiquei em nada – André começou
a jogar verde.
- Tem? – Claire mostrou-se curiosa
- Tem? – Anna mostrou-se preocupada
- Tenho sim, e para uma digo que a foto está linda e para a
outra digo que não a divulgarei. Mas, para a primeira tenho mais coisas para
falar – André dirigiu-se diretamente para Claire – Acontece, recém-conhecida
Claire, que a Anna não sabia que tinha tirado essa foto porque ela estava
dormindo na hora. Para mim, foi a foto mais linda que fiz dela. Deixei uma
original e outra em P&B (preto e branco), a segunda ficou melhor, tem uma
luz da janela vazando um pouco e refletindo nos cabelos dela, delicadamente
deitados em seu ombro. Com certeza, a foto mais linda.
- Imagino – e imaginava mesmo, Claire estava explicitamente
com ciúmes, era difícil conter aquilo tudo, nessas horas queria ser homem e
poder aproveitar esses tempos com Anna, nasceu mulher por ironia do destino.
Dirigiu-se para Anna – sabe Anna, faz tempo que não nos falamos, estou com um
leve pressentimento que nossa amizade está por agua abaixo.
- Ei, o que houve com vocês? Adoraria ouvir essa história –
tudo para André era motivo para inspiração fotográfica, tudo.
- Claire, eu acho que não é hora para termos essa conversa e
André nem se anime, você não nos usará como motivo para suas histórias
fotográficas – Anna estava nervosa, não queria falar de nada disso.
- É a hora perfeita para essa conversa, o André está aqui
ele é o culpado de tudo – disse Claire olhando para André e vendo ele se
espantar com a notícia.
- Como assim culpado? O que eu fiz? Nem lhe conhecia – André
estava parecendo curioso e chateado, mas na verdade escondia o interesse.
- Depois que ela teve aquele affaire com você tudo
desmoronou, a carreira dela deslanchou e eu perdi uma amiga. Mais que isso, eu perdi
um futuro amor que só era preciso conquistar como a noite que passamos juntas
demonstrou – Claire falou pelos cotovelos e bagunça estava feita.
- Vocês dormiram juntas? Tipo sexo e tal? Não acredito? Por
isso as coisas estavam estranhas – André também falou demais.
- Estranhas? Como assim coisas estranhas? – Claire perguntou
a André, Anna estava atônita, não podia fazer nada, estava impotente.
- Você não percebeu? A Anna vem tendo casos repentinos com
outras mulheres a alguns meses, e isso se deve a você ter conquistado ela por
uma noite e transado com ela – André abriu o jogo.
- Como assim? Anna você não me disse nada disso – Claire não
conseguiu conter o choro, sempre foi uma mulher forte, determinada, mas, quando
era sobre o coração a lágrima sempre escapava.
- Claire e André, eu não deveria ter juntado os dois. Claire
a história é complicada, mas, resumindo você me mostrou uma forma nova de
sentir prazer e não conseguir me conter, e provei mais vezes. Acho que estava
me preparando para assumir algo com você. Estava prestes a me decidir disso,
mas, o trabalho está tomando todo o meu tempo e eu também não sabia o que você
iria achar, não sabia se ainda me amava – Anna falou desesperadamente vendo
Claire chorar.
- E você acha que essas lágrimas são de ódio? Claro que
ainda te amo, mas, não consigo entender porque você nunca me disse nada a
respeito de outras mulheres – Claire estava com a voz trêmula por conta do
choro.
- Isso é óbvio, ela precisava ter experiências diferentes
para saber se era isso mesmo que ela queria, não adiantava ficar apenas com o
seu sabor, ela tinha de comparar seu sabor com o de outros, do mesmo modo que
provamos grãos diferentes de café para saber qual o mais agradável ao paladar –
André interrompeu a conversa.
- Não venha com essa sua conversa de boêmio, conheço
milhares de pessoas que se conheceram e viveram uma vida juntos sem precisar
provar de mais ninguém – Claire responde para André.
- Eu também conheço milhares de pessoas que por viver uma
vida juntos e não provarem de mais ninguém acabam se separando cedo ou tarde,
nenhum dos dois casos é regra ou exceção. As coisas simplesmente acontecem à
depender de cada indivíduo, cada um pensa de uma forma diferente, padronizar
isso é difícil e impossível. Você está pensando com seu sentimento e não
racionalmente – disse André de forma contundente.
- Você está certo, ela precisava de tudo isso, ela precisava
testar-se, degustar, apreciar outras safras, outros sabores, outros desejos e
cheiros. Até descobrir que o meu cheiro era o melhor, gosto e safra perfeitos –
Claire olhou para Anna, esperando uma confirmação.
- Você está certa minha linda – Anna levou sua mão ao rosto
de Claire, enxugava as lágrimas, alisava a face carinhosamente – Você, você me
ama e é isso que importa, estou disposta a provar uma vida contigo, sem medo de
vivermos nosso sentimento sem medo e constrangimento. Eu tive de fazer isso,
tive de provar, me lançar ao sentimento, ao desejo, aprendi e mudei a forma de
pensar sobre várias coisas. Aprendi, cresci, e sei que agora posso viver junto
a ti.
- Agora as coisas estão começando a mudar de foco, pois,
vejo que a culpa foi de Claire – disse André, levando a conversa para outro
sentido.
- Como assim? – Anna e Claire perguntaram juntas.
- Desde essa tal noite que vocês tiveram a Anna não aceita
mais convites meus para fotos com nu artístico. Ela parece estar “escondendo” a
beleza dela, escondendo seus sentimentos, falou pouco comigo durante esses
meses, costumávamos ser amigos de verdade, trocar palavras de conforto e
histórias de vida. Tanto que nem pude falar para ela de Violet.
- Tudo bem, eu encaro a culpa e encaro com orgulho de saber
que é verdade – Claire olhou para Anna e tudo era verdade, os olhos dela
diziam.
A noite
continuou agradável e Claire permitiu-se esquecer do motivo de ter ido ao
evento de moda, mas, existia um motivo? A noite continuou agradável, mas, André
pensou se realmente alguém era culpado por algo. Culpa? Não houve culpa alguma,
eles só colocaram assim por faltarem palavras e entendimento. Normal de pessoas
é procurar culpa nas coisas, procurar erro em tudo. Não houve erro e muito
menos culpa. Houve vontade, desejo, vontade de potência e de experimentar.
Houve prazer. André conhecia os limites do corpo de Anna, mas, conhecia os
limites da Anna sem ter dormido com outras mulheres, ela tinha aprendido coisas
diferentes, seu corpo havia aprendido coisas diferentes e os limites com
certeza mudaram. Claire conhecia Anna e seus limites, ela foi quem primeiro
mostrou a existência do prazer num sexo entre mulheres. Anna sabia que Claire
havia esperado por ela, conhecia os limites do corpo de Claire, mas queria
mostrar o que havia aprendido. Anna sabia que André agora seria um grande amigo
delas, seriam íntimos e trocariam confidências. A noite caminhou agradável,
mas, Anna estava interessada na tal de Violet.
(Y. S. S.)