terça-feira, 25 de junho de 2013

Lembranças de André: perdendo Anna

Já estava ficando escuro. Algumas estrelas no céu eram apenas o atraso de sua luz antes de extintas, mas, pequenos como somos as víamos brilhando como se sempre estivessem lá. Menor ainda era o brilho dos postes que iluminavam a avenida em que André andava a passos curtos, mórbidos. As pessoas passavam e pareciam borrões, ele parecia vagar numa estrada sem fim, como se andasse e não houvesse calçada, caminhava sobre nada e mesmo assim seguia um caminho.
            Só conseguia pensar na noite anterior, quando recebeu a notícia pelo telefone. Claire o havia ligado milhares de vezes, mas, como estava concentrado na revelação de algumas fotos não quis atender. Foi ingênuo e prepotente. Claire não era de ligar para ele. Depois de toda a história que envolvia ele, Anna, Claire e Violet. Claro, claro que Claire sabia sobre Violet e Anna. Porém, ela nunca quis se aborrecer com Anna, na verdade, nunca conseguiria. Talvez, no dia em que ligou para André, ela estivesse.
             O dia havia passado lento para André, como se a Terra finalmente decidisse não se apressar tanto em rodar sobre si mesma. Mas, tudo possui uma reação, e o Sol queimava mais forte. André, já não estava aguentando o calor quando saiu de casa e sabia que quando anoitecesse faria bastante frio, levou seu casaco. Ao descer no estacionamento tinha percebido que havia esquecido as chaves do carro, não se importou, foi andando mesmo. Vagava, vagava pelos seus pensamentos. Vagava e a cada ideia vaga navegava uma lembrança vaga.
            Cada uma dessas lembranças era uma alfinetada, alfinetada num balão d’água. Estoura rapidamente e enche outro recipiente de memórias, fluídicas memórias que conseguem arrastar como um rio raivoso ou moldar lentamente como se pingasse do teto de uma caverna escura. Ultimamente tudo parecia uma caverna escura.
            André lembrou-se da ligação da noite anterior, doía o peito. Lembrava-se da voz de Claire chorosa e com raiva, muita raiva. Ela vociferava que ele era um cretino por não ter atendido, falou que ele não deveria ter feito aquilo, falou que ele só se importava com as fotos e com mulheres bonitas e gostosas para fotografar, mas se esquecia de quem realmente importava. Gritava ao telefone que ele só conseguiu novamente ter um boom na carreira, além do sucesso já conquistado, por conta do tão aclamado book com a linda mulher de seios rosados, pele rosada, lábios rosados. Tudo que ele havia reconquistado foi com a ajuda de Anna. Ela gritava como Anna era importante para a vida de todos, inclusive de Violet. Ela gritou que Anna estava morta!
            Foi nesse exato instante que para André o mundo freou bruscamente, ele foi empurrado para fora do mundo e lá permaneceu num abismo. Anna estava morta. Mal conseguiu distinguir seus pensamentos das palavras de Claire. Balbuciou uma pergunta simples: “como?”.
            Tudo o que sabiam era que Anna havia cometido suicídio. Tomou uns remédios numa grande dosagem. Mas, aparentemente depois de não tolerá-los os havia vomitado, mas, ainda com os sentidos bastante afetados decidiu cortar os pulsos. “Era a coisa mais óbvia e estupidamente idiota de se fazer, morrer como uma drogada desequilibrada, uma adolescentezinha de merda que acha que ser roqueira e morrer nova trará algum ensinamento para seus pais, ou para o mundo! Tola, tola, mil vezes tola!”, era tudo o que André conseguia pensar no momento em que Claire contava-lhe a notícia. Ele definitivamente não achava isso dos adolescentes com problemas familiares, só não conseguiu impedir suas sinapses de responderem ao extinto de identificar o ato de Anna com algo que discordava, mas de algum modo achava realmente estúpido. Responder como ele se sentia era difícil. E ainda é.
            Ele andava sem chão na tentativa de fazer a Terra girar um pouco mais rápido e passar logo para o outro dia. André caminhava como se estivesse sem rumo, mas, seus pés sabiam para onde o levar. Era para o cemitério onde Anna seria velada, ou melhor, o corpo de Anna.
            André lembrou-se quando e como conheceu Anna. Anna era jovem, tinha dezenove anos e pretendia subir na carreira, precisava ajudar sua família, moravam no subúrbio. Desde pequena era muito bonita e chamava a atenção por onde passava. Logo aos quinze anos foi convidada para participar de algumas propagandas de produtos pequenos. Perfumes, loções para banho, hidratantes. Fez fotos no parque, praças, teatros, e no chuveiro. Nunca quis posar nua. Aos dezoito anos Anna montou uma teoria: o subúrbio era o lugar de mulheres bonitas, majestosas, lindas e com sex appeal. Aos dezenove, sabia que tinha que deslanchar como modelo, e soube do trabalho de André. Ele era um fotógrafo renomado, tinha batalhado muito para chegar onde estava, e tinha apenas trinta anos.
            Quanto mais lembrava, mais as lembranças o torturavam. Aquele dia foi infinitamente especial, pois, nalgum momento ele decidiu dar alguns zooms nos seios de Anna, eles eram médios em formato de gota, mamilos rosados e com a pele clara. André gostou do tom rosado. Anna era clara, não muito branca, nem puxando para um tom amarelado, era clara. André soube aproveitar muito bem o tom de pele dela. Soube aproveitar melhor ainda o resto da noite, pois, Anna não voltou para casa, a neve não iria deixar de qualquer jeito. Os dois, naquele estúdio, ali no chão mesmo, transformaram em cores o que através da janela era o branco da neve.
            Seus pés finalmente pararam. Ele despertou, olhou para os lados e tinha alguns jornalistas acompanhando tudo com um bloco de notas, o padre que ia dizer algumas palavras, a família de Anna e Claire junto com Violet. Mesmo com tanta escuridão e ameaça de chuva, André via claramente a beleza naquelas duas mulheres.
            Lembrou-se de quando conheceu Violet naquele bar, ela quem havia ido falar com ele, o reconhecera. Violet estava com um novo vestido vermelho. Ela gostava da cor, não usaria nunca violeta, seria muito redundante. Ela não gostava de redundâncias. Era levemente decotado e facilitava na sensualidade. Seu corpo era lindo, magro e não muito volumoso, mas com curvas, com seios e um pouco de bunda, pouco. Seus lábios tinham um peculiar tom rosado. Tão peculiar e tão rosado que Violet normalmente não usava batons, preferia deixar sempre seus lábios umedecidos. Seu olho era verde claro, mas, ela sabia usar o olhar para realçar a cor. O verde era claro, mas invasivo, observador. Na noite anterior ela percebeu, logo ao entrar num pub, um homem sentado estrategicamente numa das pontas do estabelecimento. O observou por quase duas horas e após ter colhido informações suficientes e lembrado de informações suficientes foi até a mesa onde estava o fotógrafo reconhecido e puxou conversa. Depois de algumas horas no pub, André convidou-a para um café em seu apartamento, que também era seu estúdio.
            O fator gustativo do café mostrou seu valor, não permitindo que nem Violet nem André terminassem a noite na mão. O frio da noite facilitou a aproximação a fim de calor, calor humano. A embriaguez facilitou na decisão de André de tocar na cintura de Violet, um toque preciso, na parte mais sensível da cintura dela. Arrastou os dedos pelas costas, fazendo o caminho inverso da costura, chegando à alça, despiu-a. Parou ali, olhando os seios de Violet, lindos. Formato, volume, cor, sinais, tudo simetricamente preparado para excitar o paladar.
Violet viu a cena, levou seu seio desnudo aos lábios de André. O tempo mudou a rotação, o que era devagar virou rápido, extremamente rápido, insano e profundamente caótico. Logo a mesa não iria aguentar o peso e os movimentos bruscos, caíram no chão. Mudaram de posições, trocaram prazeres, faziam o que a embriaguez permitia. Sorte que a “dose” de café foi generosa, Violet quase não estava sobre efeito alcoólico, a adrenalina tomou conta do corpo, o prazer tomou conta do corpo. O suor respingava no chão, as mãos suadas não se sustentavam paradas e escorregavam frequentemente. Rapidamente estava na cama, rapidamente repetiam tudo, tudo. Durante a madrugada, ainda acordados conversavam, a partir da conversa testavam. Testavam-se, trocando experiências, prazeres, gostos, tons, fluidos e cheiro. O atrito descamava a microscópica crosta de tecido morto da pele de ambos, aonde se fixava o cheiro dos perfumes, logo o cheiro iria se impregnar na cama, assim como os fios de cabelos negros de Violet no travesseiro.
            Foi tudo muito rápido, o modo como a lembrança passou por sua mente. Claire olhava para ele, seu rosto estava abatido, tanto quanto o de Violet e o dele mesmo. Ninguém conseguia imaginar o que houve e aparentemente tudo estava bem entre André e Anna, mais ainda com Anna e Claire. E Violet parecia ter esquecido tudo. Foi tudo muito rápido, os anos passaram rápido demais.
            André nunca dependeu de Anna, nunca havia precisado depender de ninguém. Mas, parecia que realmente guardava um carinho enorme por ela. Um carinho que guardava por Claire também, apesar de só fazer conta disso naquele exato momento em que a observava chorar a perda de sua amada. Será que Claire conseguiria continuar em frente mesmo com a perda de Anna? André não imaginava o quão doloroso seria. Ambas se amavam bastante, e tudo isso parecia uma loucura. Uma armadilha do destino.
            Não, não havia nada de divino nisso. André sabia do mesmo jeito que sabia que a Terra naquele dia não rodou mais devagar, muito menos freou bruscamente na noite anterior. André sabia que devem ter sido as circunstâncias, mas quais? Ele se perguntaria isso, talvez, pelo resto da vida.
            A chuva caía intensa e André nem soube ao certo quando ela começou a engrossar. Jornalistas e familiares de Anna foram embora logo, apesar de perplexos. Claire ficou ali mais alguns instantes. Violet já havia saído. A noite passou devagar, nenhum dos três conseguiu dormir. Todos levantaram no meio da madrugada e como se uma lembrança vaga navegasse pela mente de todos eles, os três foram para o bar que Anna gostava de frequentar. A mesa que ela sempre gostou de sentar estava vazia e todos os três sentaram-se ali. Um após o outro, sem dizer uma única palavra. Apenas se olharam. Riam e choravam. Olhando nos olhos uns dos outros. Riam ao mesmo tempo. Choravam ao mesmo tempo. Como se partilhassem da mesma lembrança feliz ou triste, no mesmo instante em que a memória dava uma alfinetada.


(Y.S.S. – 08/05/13)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Lembranças de Violet: um pouco de passado


Ela estava em seus quinze anos. Era uma garota comum. Seu corpo era lindo, magro e não muito volumoso, mas com curvas, com seios e um pouco de bunda, pouco. Seus lábios tinham um peculiar tom rosado. Tão peculiar e tão rosado que Violet normalmente não usava batons, preferia deixar sempre seus lábios umedecidos. Seu olho era verde claro, mas, ela sabia usar o olhar para realçar a cor. O verde era claro, mas invasivo, observador.
            Na escola ela sabia como chamar a atenção, era dona de todos os garotos. As garotas morriam de inveja, principalmente porque ela não apenas tinha um corpo bonito, mas, também era estudiosa. Deveria passar nalgum curso importante, tipo Medicina ou Direito. Os professores sempre rasgaram elogios para ela. E ainda tinha um nome intrigante.
            Mas, poucos sabiam da vida familiar conturbada que Violet vivia. Seus pais deixaram se se amar antes mesmo dela nascer, mas, continuaram juntos por alguma convenção besta e hipócrita. Ela sabia disso muito bem. Poucos sabiam também que desde cedo Violet tinha despertado sua curiosidade sexual, e para alguns aquilo era herético ou diabólico. Algumas poucas vezes ela chegou a ver seus pais transarem, não era nada comum, sexo entre pessoas que não se amam é sempre muito estranho, meio afobado, brutal às vezes. Mas, ela ficava olhando, esquentando.
            Na escola gostava de chamar a atenção dos garotos, sempre ajeitava bastante o sutiã e a calcinha com uma frequência desnecessária. Ela gostava de chamar a atenção. Comum para pessoas com uma família complicada. Ela nunca recebia apoio, era uma adolescente carente e tarada. Ficava com alguns garotos, algo sempre escondido que desse para passar de alguns limites.
            O estranho para as outras meninas e até para os meninos entenderem, era como ela era tão estudiosa e tão levada. Coisa bastante incomum. Chegou-se a ter uma aposta para saber qual garoto conseguiria namorar a Violet. Quem ganhou essa foi o Carlos.
            Se o Carlos era um garoto diferente dos outros? Não. Ele tinha a lábia, sabia como convencer, era bonito, mas, nada excepcional. Era estudioso também, mas, preferia as humanidades. Gostava de interpretar aqueles livros que ninguém gostava de ler, e de brincar com a análise de músicas que seus pares não entendiam nada. Foi numa dessas que ele e Violet se perderam. Estava discutindo sobre um livro do Dostoievski, ou era um do Tolstói, divergiam em vários pontos. Mas, ele convenceu-a a se beijarem, passaram a noite toda assim, até finalmente ambos perderam a virgindade.
            Para Violet aquele foi um momento mágico. Pro Carlos também. Mas, foi muito desconcertante. A coisa foi melhorando aos poucos, depois de algumas outras vezes. Carlos não entendia todo o fogo daquela garota. Também não entendia porque depois de alguns meses de namoro ele não sentia muito tesão por ela.
            Violet era uma garota diferente, linda, cuidadosa, articulada, inteligente, gostosa. Mas, ele só pensava na próxima. As próximas eram demais. Sempre mais lindas mais interessantes. Era como se cada dia a mais com Violet era um dia a menos com outras garotas. Carlos se martirizava, até o dia em que não aguentou e saiu com uma garota prestes a terminar o ensino médio.
            Toda a escola comentou o caso, como sempre. Violet se escondeu em casa, por alguns dias, até não aguentar mais e criticar bastante seus pais. Custa nada lembrar, pois, estava ela sentada com sua família na mesa de jantar e seu pai lia o jornal. Violet olhou para o lado, viu a mãe implorar a atenção do marido com os olhos, barulhos e perguntas: “Amor quer comer arroz? Quer comer feijão? Amor quer comer Purê? As comidas hoje estão especiais”, cada vez que ouvia um quer, Violet esperava, já com o rosto contraído, a mãe falar para seu pai: “Amor quer fazer o favor de me comer?”.
- Pai, sabe qual o problema da nossa família? – Violet com essa pergunta interrompeu o desespero de sua mãe e o barulho do seu pai mastigando e instaurou um silêncio sepulcral.
- Qual Violet? – seu pai procurou saber o que a filha tinha para falar, mas, com ar de quem não se importava (e não se importava mesmo).
- Todas as possibilidades de diálogo foram cortadas na maternidade. Quer dizer, antes da maternidade. Você não queria ser pai, se quisesse seria um bom pai. Você o seria se fosse pai de um menino, como eu nasci mulher você me rejeitou e, rejeitou junto à possibilidade de “fazer” mais meninas. Com o passar dos anos as coisas pioraram, meu corpo foi se desenvolvendo, fui criando interesse pelo sexo oposto, e o sexo oposto criando interesse em mim até que enfim nós criamos interesse pelo sexo mesmo. A rejeição virou nojo. Você acha que eu nunca o percebi ouvindo por detrás da porta? Você acha mesmo que eu faria algo “errado” em casa? Você acha que eu, como posso dizer para ser menos chocante, me “tocaria” no meu quarto, com vocês a passos de distancia? Nunca. Nossa família foi substituída por um organismo que sobrevive no cotidiano. Não um cotidiano comum, necessário a vida em sociedade, mas ao cotidiano ordinário, com isso quero dizer medíocre, pois, não uso a palavraordinário com o significado de cotidiano, mas, de medíocre e extremamente tedioso. Acordamos, tomamos café juntos, vamos fazer nossas “obrigações sociais” depois voltamos para casa, jantamos juntos e nos lançamos em nossos mundinhos diários. Sem conversa, sem nada de diferente, apenas o ordinário, medíocre, tedioso e ordenador cotidiano. Sabe, não quero ser aquilo que vocês querem de mim. Nunca conversaram sobre isso, quero dizer conversar para dialogar, saber minha posição quanto a tais escolhas e não conversar para convencer. Normalmente vocês conversam para convencer, eu quero vencer sem ser coagida a isso. Quero estudar música, pintura, sociologia, aprender sobre os outros, aprender sobre o passado, sobre o universo, sobre como a Terra funciona, e sobre como nós deixamos de funcionar na Terra. Quero aprender sobre as relações entre as pessoas, sobre relacionamentos, sobre pessoas, sobre músculos – uso e desuso deles, aprender sobre a voz e como melhor utilizá-la, aprender o melhor modo de ajudar as pessoas, aprender sobre sexo, na prática! – Violet respirou profundamente enquanto observava as reações dos seus pais: jornal amassado, comida sobre a mesa, talheres ao chão, rostos “atabacados” e total descrença de que tudo aquilo havia saído da boca da sua “linda filhinha”.
            Após segundos ou minutos de total silêncio e troca de olhares, o pai de Violet sai da mesa lentamente com o rosto avermelhado. Sua mãe simplesmente ensaia verter uma única lágrima sobre o rosto. Violet se levanta e sai. Vai ao quarto, liga o computador, conversa com os amigos e conta as novidades daquela noite. Troca alguns recados salientes com meninos bonitos e gostosos e vai dormir.
            Ela estava “recuperada” nem precisou passar tanto tempo curtindo a fossa. Ela aprendeu muito com o Carlos. Aprendeu que realmente deveria usar o dom da dominação que tinha nela. Guardou uma imagem na mente. Adorava fazer isso. Sempre guardava boas imagens na mente.

...

            Violet guardou imagens na sua cabeça desde adolescente até os dias de hoje. Lembrava perfeitamente sua primeira noite com André. Lembrava perfeitamente seu primeiro ensaio fotográfico com Anna e Claire. Lembrava perfeitamente como elas eram belíssimas. Lembrava perfeitamente como sua capacidade em dominar o ajudou a conquistar Anna. Claire não ficou sabendo de anda disso.
            Mas, porque Anna era a tão desejada? O que tinha de especial nos tons rosados do corpo dela? Violet se perguntava. Era normal para ela ser sempre a mais desejada, isso desde adolescente. Anna era daquele jeito. Simplesmente era. E o mais interessante, ela podia ser dominada, mas logo fugia. Todos sempre fugiam de Violet, foi assim com Carlos e assim seria com todos.
            A convivência não estava dando mais certo, o sexo também não. Violet precisava de um homem e Anna parecia precisar de André ou de Claire, ou dos dois juntos. Era sempre muito estranho, pois, Anna nunca se contentava com Violet. Elas brigaram durante algum tempo. Violet sentiu que a estava perdendo. Mal sabia que todos estavam perdendo Anna.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Tons multicoloridos - Violet II


Violet estava com a câmera na mão. Ajeitava algumas configurações básicas enquanto falava um pouco com suas modelos a fim de deixá-las confortáveis. Violet não sabia do envolvimento de Claire e Anna, sabia apenas o que André havia dito: “São amigas de longas datas, íntimas mesmo, vão ficar bastante confortáveis”. Mesmo assim Violet estava nervosa. Era a primeira vez que ela iria fotografar sem a ajuda de André. Procurou fazer tudo nos mínimos detalhes, mas, sempre tem algum imprevisto.
            A ideia era simples. Violet queria trabalhar na fotografia as concepções de “modelos de mulheres”, Anna seria aquela mulher para se casar: responsável, bem sucedida, envolvida com sua profissão, mas principalmente era uma esposa dedicada à casa e aos filhos, adorando programas familiares. Claire seria o inverso, era a mulher que tirava qualquer um do sério, dava água na boca, desinibida e bem sucedida, era “o imprevisto” na vida de qualquer um. Mas, de forma engraçada, bem sucedida no trabalho soava diferente para cada uma delas. A personagem interpretada por Anna era bem sucedida, mas por motivos vinculados à sua imagem ela não transmitia o mesmo desejo que a personagem de Claire, pois, muito do que estava agregado ao sex appeal dessa personagem era estar bem sucedida, dona de si e é claro dos outros.
            A concepção era mais simples ainda. Elas iam usar vestuários específicos, e procurar passar ao máximo a impressão proposta. O estúdio era o de André, aquele com uma cozinha eternamente aromatizada com café. Tornou-se até um bom local para se fotografar Anna. Foi o primeiro local onde foram. Violet sentiu o que André havia sentido anos atrás. A pele de Anna era diferente, a luz tocando no corpo dela era diferente. Era bonito sem fotografar, era fotográfico sem ter sido capturado e sem motivo. As curvas do corpo auxiliavam na economia dos raios de luz, alguns alcançavam a câmera e outros não. Anna ficava encantada, e quase se esquecia de clicar.
            Claire não conseguia parar de pensar na viagem até a casa de André. Ela conheceria o local onde Anna e André tiveram um affer. Ao entrar no estúdio logo sentiu o cheiro de café, esse café tinha história. Claire nunca foi ingênua a ponto de pensar que essa tal de Violet nunca teve nada com André. Ela tinha certeza que eles tiveram sim, e o café contribuiu para a conquista. Tinha a fama de ser irresistível, o café. Perdeu-se reparando em alguns equipamentos de fotografia. Trocou-se lentamente. Quando saiu do provador improvisado viu Violet admirando Anna através da câmera. Claire já a tinha visto nua, deitou-se com ela, mas, não pensou que pudesse ter alguma “novidade”. Foi ingênua. A novidade estava ali bem diante dos seus olhos. Anna, bela, iluminada pela luz de fim de tarde, com tons alaranjados em sua pele, curvas diferentes e roupas delicadas. Claire sentiu a “mensagem” que Violet queria que Anna passasse ao vestir aquela personagem. Claire queria casar com Anna. Mas, aquela não era mais Anna.
            Violet ficou impressionada com a qualidade interpretativa de Anna, ela despiu-se de si e vestiu-se da personagem quão rápido era necessário. André auxiliava com a maquiagem e outros adereços, ficava apenas ali nos bastidores, ajudando. Adiantou a feitura do café, depois deixou Anna fingir que o fazia, o cheiro estava invadindo o olfato de todos. “Pena que câmeras não captam cheiros” Violet pensou e lembrou. Memórias batiam à porta da lembrança cada vez que ela inspirava a fumaça do café. Perdeu a concentração algumas vezes, mas, nada que prejudicasse o trabalho.
            Anna estava se sentindo confortável com tudo aquilo. Era engraçado, mas, de certa forma desde o acontecimento com Claire, Anna não se enxergava como uma mulher que pudesse ter um relacionamento duradouro. Ela saiu com outras mulheres, outras modelos com beleza estonteante, mas, pouco afeitas com relacionamentos. Tudo era efêmero demais. Porém, bastou colocar aquela roupa que as possibilidades voltaram a semear sua mente. Pensou em como seria diferente dividir uma casa com alguém que amasse, fazendo alguns dengos. Imaginou-se como a personagem que interpretava. Fazendo café e esperando Claire. “Claire? Porque pensou na Claire? Será que ela realmente estava gostando da Claire? Depois de tanta coisa, era difícil, não podia estar gostando dela, não podia.” Negou-se com os olhos. Pensou que ninguém havia percebido.
            Logo Claire teve que jogar para fora a personagem arrasadora de corações e relacionamentos alheios. Teve que vestir um bom salto, cores altivas nas unhas e um vestido tulipa branco com um bolero preto, depois ficou toda de vermelho. As unhas eram de café com rebu, ajudou bastante com os close-ups. Olhares penetrantes pareciam atravessar a objetiva e encarar os olhos de Violet. Essa era realmente a intensão de Claire. Queria olhar dentro de Violet e descobrir o porquê dela estar tão interessada em Anna.
            As fotos foram sendo tiradas aos poucos. No fim, Claire deixou de pensar em Violet e Anna parou de pensar numa vida com Claire. André já estava conversando alto para fazê-las descontraírem ainda mais. Deixaram para lá o provador improvisado e começaram a trocar de roupa ali mesmo no estúdio. Claire ajudou Anna a retirar um vestido caseiro, com temas floridos. Nesse momento Violet não parou de fotografar. Elas se ajudavam e era como que se as personagens trocassem de lugar uma despia a outra.
            Claire e Anna perceberam a intenção. Entendiam o que Violet queria, enfim. Não era estatizar “modelos de mulheres”, mas, fazê-los dialogar. A mulher que “era um imprevisto” na vida de qualquer um poderia sim ser uma mulher para se casar. E a mulher para se casar, com certeza pode trazer muitos imprevistos. As roupas foram tiradas, e recolocadas em ordem inversa. O vestido florido que estava com Anna, agora estava vestido em Claire com o bolero vermelho. Anna vestia o vestido colado que Claire usava, mas estava sem salto e fazendo café. Violet observava atentamente e fotografava essa faze em preto e branco, procurava ao “retirar a cor” tornar as coisas mais equilibradas, desvincular das cores os “modelos de mulheres”.
            André ao ver aquilo ficou impressionado. Uma ideia que ainda não havia passado por sua cabeça. Olhou para Violet. Lembrou-se. Desejou-a intensamente. Despia-a com o olhar. Anna e Claire não importavam mais, elas pareciam ter uma vida juntas. Ele via o que queria ver: uma aprendiza inteligente e compromissada, com uma possibilidade de sucesso imensa.
            Anna e Claire sorriam e se divertiam com aquilo. Close-ups nos sorrisos. Duas mulheres lindas. Nada de mulher para isso, ou mulher para aquilo. Mulheres. Que traziam desejos imensos para qualquer um que as olhasse. Eram agora dois imprevistos na vida de qualquer pessoa. Eram imprevistos nas próprias vidas.
            Violet terminou e logo foi revelar algumas fotos, na medida em que elas ficavam prontas ia pendurando-as num varal, como roupas. Anna e Claire ainda estavam vestidas como as personagens e resolveram fingir que as fotos eram roupas penduradas. Violet continuou fotografando, mais alguns close-ups. Mais alguns sorrisos. Mais desejos. Mais olhares. Mais imprevistos. Mais lindas fotos.
            Vararam toda a noite com aquilo. André já não se aguentava de fome e levou todas as três para jantar num desses fast foods. Conversaram um pouco. Falaram sobre a gama de significado que aquelas fotos poderiam representar e o modo com o book seria lançado, a possível reação do público leitor. As interpretações seriam diversas. Mas, Violet parecia estar longe, pensando profundamente.

...
            Violet não conseguia se esquecer da expressão no olhar de Anna enquanto fazia o café. Parecia que estava negando alguma coisa. Violet pensava: “qual a negação? Será que era o ensaio fotográfico? Não! Ela descontraiu-se e saiu-se muito bem, foi tudo maravilhoso. O que então? Será que ela estava pensando no seu antigo caso com André – sentiu ciúmes – talvez não, espero que não. Será que era a personagem? Será que era a personagem que estava ali negando viver uma vida “doméstica”, de não ser “o imprevisto” na vida de alguém? Será que foi esta a negação de tudo, será que ao ver essa negação no olhar dela eu pensei em fazer aquilo com os modelos, misturá-los? Desconstruí-los e reconstruí-los? Transformá-los em um só? O que Anna estava pensando? O que Anna estava pensando?”.
            Violet escolheu aquela foto como capa do seu livro de fotografias. Anna interpretando a personagem de uma mulher para se casar, mas, que ao fazer café diário considerou em não viver mais aquela vida e seus olhos deixaram escapar esse questionamento. Anna estava no lançamento e quando viu a capa, voltou a pensar em Claire. Fazia uns dois meses que todo aquele ensaio havia passado, ela tinha viajado para alguma semana de moda e Claire tinha continuado seu trabalho na revista. Mal tinham se falado. Mas, Anna voltou a pensar nela. E enquanto assinava alguns livros estava com o mesmo olhar estampado na capa deles.

(Y. S. S.)

sábado, 22 de setembro de 2012

Lembranças de Anna: Claire encontra André


Em um desses acontecimentos mundiais de moda, que podem acontecer na França, Inglaterra, Nova York ou Berlim, Claire estava procurando por Anna. Estava trabalhando, era jornalista de renome numa desses jornais reconhecidos mundialmente por ter notícias que valessem a pena serem lidas. Mas, porque uma jornalista de um jornal de renome estava cobrindo um evento de moda? Claire perguntou isso ao seu editor chefe e teve como resposta um: VÁ LOGO, DEPOIS TE MOSTRO O MOTIVO. Para Claire era difícil fazer reportagem sem saber o que estava investigando, sem saber um tema, um objetivo, quem entrevistar, e o que perguntar.
Decidiu fazer anotações acerca do evento completo. Era intrigante como um evento de moda conseguia servir de imã para tanta gente estranha. Eram maquiagens extravagantes com cores mais extravagantes ainda, cortes de cabelo representando montanhas, animais, ondas do mar, coisas de outro mundo. E as roupas? Incrivelmente loucas e totalmente desconectadas com o mundo atual, pensando num futuro distante aonde o céu não será mais o limite.
Parece que tudo é de um mundo futurístico predestinado a vir antes do tempo, e amanhã todos estarão se vestindo daquele jeito, claro que se tiverem alguns mil euros. Definitivamente Claire não sabe o que faz ali. Ela procura, procura e não acha nada. Procura, procura e não acha nada. Havia estudado na universidade algo sobre pesquisa antropológica, sociológica, psicologia social e de como aquilo poderia ajudá-la a pensar na entrevista de moda. Tinha lido algo sobre o “mundo líquido” da pós-modernidade, mas, tudo aquilo parecia mais as histórias de Isaac Asimov ou Aldous Huxley. Entre este turbilhão de ideias, Claire avistou Anna.
Fazia alguns meses que elas não se falavam. O “(a) incidente” da ultima vez que elas se encontraram foi estranho para as duas. Foi difícil perceber que tinham transado, Anna era como uma melhor amiga, uma mulher linda e irresistível, que estava no topo do sucesso depois de ter deslanchado através do ensaio fotográfico feito por André. Mas, é claro, fazia algum tempo que Claire estava perdidamente apaixonada por Anna, ela nunca tinha visto a amiga nua, e viu pela lente de André. André tinha um olhar excepcional para a beleza feminina, era sensual e sexy sem ser ousado, era desejando sem salivar, era como se degustasse uma taça de vinho.
Para Anna a coisa foi mais complexa, Claire lembra bem como foi a reação na manhã seguinte ao acontecimento. Anna acordou com a calcinha dela no rosto, estava ainda de ressaca, mas conseguiu levantar os olhos e chamou por Claire. Uma vez com a voz baixa, na segunda um pouco mais alta, e na terceira já gritando: CLAIREEEEEE. Claire correu da cozinha, estava preparando um café da manhã caprichado, e foi para o quarto, Anna estava sentada na cama segurando a calcinha.
- O que diabos fizemos? – Anna perguntando com voz irritada e tom de quem não lembra nada, mas, lembrando tudo.
- Bem, começamos bebendo muito, depois, viemos para cá, depois começamos a tirar as roupas...
- Pode parar! – Anna interrompe Claire bruscamente – eu sei o que aconteceu, eu apenas quero entender porque aconteceu.
- Sabe, eu também não sei, iria te fazer a mesma pergunta, mas, com um tom menos agressivo que esse – Claire com certeza já sabia o caminho da conversa, ela iria pegar suas coisas e sair correndo dali deixando lágrima escorrerem no rosto.
- Bem, eu não faço a mínima ideia, senão não estaria lhe perguntando e qual o problema com meu tom, você tem de entender, nunca pensei que transaria com uma mulher!
- Dizem que para tudo existe uma primeira vez – Claire quase foi interrompida por Anna novamente por tentar justificar com uma besteira dessas, mas, logo ajeitou o ponto – mas, acho que essa justificativa não vale talvez minha cantada tenha sido boa, ou estávamos bêbadas demais para pensar, ou talvez você tenha me desafiado a algo, não lembro bem, sei apenas que queríamos aquilo, tanto que acordamos sem sentir dores, sem sentir medo ou dúvida, apenas querermos entender o caso. Estou certa?
- Em partes. Claire, você é minha amiga a anos, nunca imaginei isso de nós. Como podemos? Tudo bem, não tenho culpa, até acho que foi melhor ter tido essa primeira experiência com você, mas, foi tudo muito rápido e você, você parece estar com uma aura incrível, bem diferente de ontem. Você realmente gostou da noite, não que tenha sido ruim, mas, sei lá, como se já estivesse desejando tudo. Tudo estava desejado previamente.
- Anna, você está certa, eu estava te amando a algum tempo. – O silêncio demorou uma eternidade, mas, foi de apenas meio minuto (uma eternidade do mesmo jeito).
- Claire, como assim? Sempre fomos amigas, como assim? Se você, não pode ser minha amiga, também não deve existir amizade entre homens e mulheres!
- Calma Anna, você está confundindo tudo. Nosso, que dizer, meu caso foi particular. Eu sempre lhe vi como amiga, assim como com outras amigas. Você as conhece, mas, com você tudo foi diferente. Eu já estava caindo de amores por você antes mesmo de você ter aquele caso com o André, sabe, você tinha uma história intrigante, tinha uma conversa inteligente, tinha esse seu ar de menina nova, mas, com muitas experiências para dividir. Sei lá, você é encantadora e...
- Claire, para, para, PARA. – Ouvir aquilo de uma mulher era extremamente estranho para Anna, ainda mais vindo de Claire, sua amiga! – Sabe, eu gostaria de dizer que estou bem com tudo isso, ou que poderia lhe ouvir e procurar entender a situação, mas, na verdade gostaria que você saísse e me deixasse pensar.

            As palavras ainda zumbiam na mente de Claire, logo depois dessas palavras ela vestiu-se e saiu do apartamento e nem soube se Anna comeu aquele café da manhã todo especial com iogurte, frutas, torradas e patê de tomate seco. Bem, ela tentou esquecer tudo, mas era difícil, doía no peito pensar em Anna. Ao vê-la, sabia: o amor ainda existia, mas, será que ia ser correspondido, será que o olhar ia ser correspondido?
            Anna avistou Claire ainda de longe, mas, perto o bastante para Claire perceber a pupila de Anna se dilatando, o rosto contraia-se a fim de mostrar a surpresa e ao mesmo tempo a excitação de ver Claire. Deixando Claire animada, as duas caminharam uma ao encontro da outra. Estava a um palmo de distancia. Claire com uma vontade interminável de pedir desculpa e terminar a frase com um beijo, imaginando que Anna poderia retribuir o beijo. Mas, lembrou-se que todos ali conheciam Anna, e alguns ali reprovariam aquilo e alguns poucos dali iriam tirar fotos, fotos, vende-las e ganhar uma boa matéria com isso.
            A noite parecia mais escura, Anna olhava para Claire, e a única coisa que conseguiram falar antes de chamarem Anna foi um “Oi, como você está? Quanto tempo né? Porque você está aqui? Cobertura da revista ¬¬?”. Apenas poucas palavras, não falaram do principal, não falaram delas. Anna teve que ir se trocar, logo iria estar na passarela, com roupas estranhas, sem beleza, sem sensualidade. Claire foi fazer a cobertura.
            No começo do evento, Claire estava distraída, sem saber o que fazer, anotava tudo. Celebridades, estilistas renomados, e por fim foi ver os fotógrafos que faziam a cobertura. Eis que viu André. Sentiu aquela falta de ar que começa na barriga, aquele frio, seria difícil falar com Anna sabendo que André estava lá, será que eles voltaram nesses meses? Será que ele estava ali para falar com Anna e dizer que estava perdidamente apaixonado? Será que ele iria propor a ela outro ensaio fotográfico daqueles, nua? Claire não aguentaria nada disso. Era demais para ela, esboçou uma lágrima, mas, não poderia ficar assim, era tudo, por enquanto, imaginação.
            Quando tudo acabou, depois de ter anotado bastante, depois de ter prestado bastante atenção nos clicks de André, Claire foi falar com Anna. Ela e André chegaram na mesma hora, a insegurança era latente e a curiosidade também, o que ele queria com seu amor? O que? Anna ao ver os dois pediu para que esperasse, ia se trocar, tomar um banho rápido e iam sair para jantar, os três. Os três!
            Era um restaurante comum, porém, sofisticado, sentaram, pediram um vinho e começaram a conversar.
- Sabe Anna, faz muito tempo que não nos vemos, estava pensando em lhe convidar para outro ensaio, o primeiro causou muitos alvoroços e isso foi valioso para nossas carreiras, mas, dessa vez seria diferente. Estou orientando uma jovem fotógrafa e gostaria que você estivesse no ensaio dela, seria bom para a carreira dela, sabe? Impulsionaria bastante – falou André, totalmente interessando na mulher chamada Claire, intrigante pessoa, que olhava para ele com uma curiosidade imensa.
- André, claro que aceito. Vocês já tem um motivo? – perguntou Anna, muito interessada no ensaio e na nova fotógrafa, mas, não queria demonstrar o interesse até porque Claire estava ali, o que ela acharia de tudo isso?
- Queremos trabalhar com vermelho e espelhos, dar cor a tudo, brincar com as perspectivas e com a tonalidade da pele e das roupas, sempre usando roupas – André percebeu que depois que falou de roupa o semblante de Claire pareceu menos preocupado, como se aceitasse a proposta por Anna, como se não quisesse ver Anna nua novamente.
- Claro, interessante, mas, deixe-me lhes apresentar direito, André está é Claire, uma amiga minha de longas datas e jornalista renomada. Claire este é André e não exige apresentações demoradas.
- Prazer Claire, então você é a jornalista fantasiada de mulher bonita? Tive medo de que isso acontecesse um dia, e aqui estou, incrivelmente sentado ao lado de uma jornalista – André demonstrou logo o desconforto de estar ao lado de uma jornalista, não gastava de falar e tudo estar a um passo de sair na mídia.
- Calma, André, eu não trabalho nessas revistas de fofocas não, e também não venderia informação alguma. Estou aqui cobrindo a semana de moda, apesar de não saber o por que, engraçado né, fazer a cobertura de algo sem saber o motivo.
- Sem problema Claire, às vezes tiro fotos e só descubro o motivo que as tirei anos depois, quando estou vasculhando o arquivo. É interessante, tenho uma foto da Anna que nunca publiquei em nada – André começou a jogar verde.
- Tem? – Claire mostrou-se curiosa
- Tem? – Anna mostrou-se preocupada
- Tenho sim, e para uma digo que a foto está linda e para a outra digo que não a divulgarei. Mas, para a primeira tenho mais coisas para falar – André dirigiu-se diretamente para Claire – Acontece, recém-conhecida Claire, que a Anna não sabia que tinha tirado essa foto porque ela estava dormindo na hora. Para mim, foi a foto mais linda que fiz dela. Deixei uma original e outra em P&B (preto e branco), a segunda ficou melhor, tem uma luz da janela vazando um pouco e refletindo nos cabelos dela, delicadamente deitados em seu ombro. Com certeza, a foto mais linda.
- Imagino – e imaginava mesmo, Claire estava explicitamente com ciúmes, era difícil conter aquilo tudo, nessas horas queria ser homem e poder aproveitar esses tempos com Anna, nasceu mulher por ironia do destino. Dirigiu-se para Anna – sabe Anna, faz tempo que não nos falamos, estou com um leve pressentimento que nossa amizade está por agua abaixo.
- Ei, o que houve com vocês? Adoraria ouvir essa história – tudo para André era motivo para inspiração fotográfica, tudo.
- Claire, eu acho que não é hora para termos essa conversa e André nem se anime, você não nos usará como motivo para suas histórias fotográficas – Anna estava nervosa, não queria falar de nada disso.
- É a hora perfeita para essa conversa, o André está aqui ele é o culpado de tudo – disse Claire olhando para André e vendo ele se espantar com a notícia.
- Como assim culpado? O que eu fiz? Nem lhe conhecia – André estava parecendo curioso e chateado, mas na verdade escondia o interesse.
- Depois que ela teve aquele affaire com você tudo desmoronou, a carreira dela deslanchou e eu perdi uma amiga. Mais que isso, eu perdi um futuro amor que só era preciso conquistar como a noite que passamos juntas demonstrou – Claire falou pelos cotovelos e bagunça estava feita.
- Vocês dormiram juntas? Tipo sexo e tal? Não acredito? Por isso as coisas estavam estranhas – André também falou demais.
- Estranhas? Como assim coisas estranhas? – Claire perguntou a André, Anna estava atônita, não podia fazer nada, estava impotente.
- Você não percebeu? A Anna vem tendo casos repentinos com outras mulheres a alguns meses, e isso se deve a você ter conquistado ela por uma noite e transado com ela – André abriu o jogo.
- Como assim? Anna você não me disse nada disso – Claire não conseguiu conter o choro, sempre foi uma mulher forte, determinada, mas, quando era sobre o coração a lágrima sempre escapava.
- Claire e André, eu não deveria ter juntado os dois. Claire a história é complicada, mas, resumindo você me mostrou uma forma nova de sentir prazer e não conseguir me conter, e provei mais vezes. Acho que estava me preparando para assumir algo com você. Estava prestes a me decidir disso, mas, o trabalho está tomando todo o meu tempo e eu também não sabia o que você iria achar, não sabia se ainda me amava – Anna falou desesperadamente vendo Claire chorar.
- E você acha que essas lágrimas são de ódio? Claro que ainda te amo, mas, não consigo entender porque você nunca me disse nada a respeito de outras mulheres – Claire estava com a voz trêmula por conta do choro.
- Isso é óbvio, ela precisava ter experiências diferentes para saber se era isso mesmo que ela queria, não adiantava ficar apenas com o seu sabor, ela tinha de comparar seu sabor com o de outros, do mesmo modo que provamos grãos diferentes de café para saber qual o mais agradável ao paladar – André interrompeu a conversa.
- Não venha com essa sua conversa de boêmio, conheço milhares de pessoas que se conheceram e viveram uma vida juntos sem precisar provar de mais ninguém – Claire responde para André.
- Eu também conheço milhares de pessoas que por viver uma vida juntos e não provarem de mais ninguém acabam se separando cedo ou tarde, nenhum dos dois casos é regra ou exceção. As coisas simplesmente acontecem à depender de cada indivíduo, cada um pensa de uma forma diferente, padronizar isso é difícil e impossível. Você está pensando com seu sentimento e não racionalmente – disse André de forma contundente.
- Você está certo, ela precisava de tudo isso, ela precisava testar-se, degustar, apreciar outras safras, outros sabores, outros desejos e cheiros. Até descobrir que o meu cheiro era o melhor, gosto e safra perfeitos – Claire olhou para Anna, esperando uma confirmação.
- Você está certa minha linda – Anna levou sua mão ao rosto de Claire, enxugava as lágrimas, alisava a face carinhosamente – Você, você me ama e é isso que importa, estou disposta a provar uma vida contigo, sem medo de vivermos nosso sentimento sem medo e constrangimento. Eu tive de fazer isso, tive de provar, me lançar ao sentimento, ao desejo, aprendi e mudei a forma de pensar sobre várias coisas. Aprendi, cresci, e sei que agora posso viver junto a ti.
- Agora as coisas estão começando a mudar de foco, pois, vejo que a culpa foi de Claire – disse André, levando a conversa para outro sentido.
- Como assim? – Anna e Claire perguntaram juntas.
- Desde essa tal noite que vocês tiveram a Anna não aceita mais convites meus para fotos com nu artístico. Ela parece estar “escondendo” a beleza dela, escondendo seus sentimentos, falou pouco comigo durante esses meses, costumávamos ser amigos de verdade, trocar palavras de conforto e histórias de vida. Tanto que nem pude falar para ela de Violet.
- Tudo bem, eu encaro a culpa e encaro com orgulho de saber que é verdade – Claire olhou para Anna e tudo era verdade, os olhos dela diziam.

            A noite continuou agradável e Claire permitiu-se esquecer do motivo de ter ido ao evento de moda, mas, existia um motivo? A noite continuou agradável, mas, André pensou se realmente alguém era culpado por algo. Culpa? Não houve culpa alguma, eles só colocaram assim por faltarem palavras e entendimento. Normal de pessoas é procurar culpa nas coisas, procurar erro em tudo. Não houve erro e muito menos culpa. Houve vontade, desejo, vontade de potência e de experimentar. Houve prazer. André conhecia os limites do corpo de Anna, mas, conhecia os limites da Anna sem ter dormido com outras mulheres, ela tinha aprendido coisas diferentes, seu corpo havia aprendido coisas diferentes e os limites com certeza mudaram. Claire conhecia Anna e seus limites, ela foi quem primeiro mostrou a existência do prazer num sexo entre mulheres. Anna sabia que Claire havia esperado por ela, conhecia os limites do corpo de Claire, mas queria mostrar o que havia aprendido. Anna sabia que André agora seria um grande amigo delas, seriam íntimos e trocariam confidências. A noite caminhou agradável, mas, Anna estava interessada na tal de Violet.

(Y. S. S.)

sábado, 15 de setembro de 2012

Lembranças de Claire: "de como olhar com os olhos"


Claire nunca se satisfez em ir a um pub, pedir um chopp e sair de lá em poucas horas. Ela gostava de ver mulheres. Todas elas, das mais recatadas e patricinhas até as mais desengonçadas. Adorava aquelas saias floridas combinando com blusas básicas e pulso cheio de pulseiras e um brinco de pena apenas na orelha esquerda. Mas, também lambia os lábios quando adentrava o olhar num belo decote, esperando a beldade passar, olhava o formato da bunda que a calça jeans fazia, olhava atentamente na bolsa com cores extravagantes, mas, pouco reparava no homem ao lado que normalmente era um jovem bem sucedido ou um coroa enxuto metido a “boyzinho” e malhado. Eles nunca eram interessantes.
            Quer dizer, já foi um dia. Foi quando Claire estava bolando sua teoria, “de como olhar com os olhos”. Para ela os homens não sabiam olhar uma mulher, eles nunca conseguiam absorver a totalidade da sensualidade feminina porque a castravam antes mesmo de ser liberada. Castravam pelo processo “sujo” de olhar invadindo aquele ser majestoso. É simples, o homem não olha com os olhos, olha com a cabeça inteira. Toda mulher que passa por um homem o faz quase quebrar a cabeça, pois, este “bendito” gira a cabeça quase 180 graus para ter “a melhor vista” da traseira da garota. Isso já é invasivo, já é atordoante, já se torna inconveniente o suficiente para a linda mulher parar de andar com leveza e agir com mais pressa, parar de jogar o cabelo e se preocupar em prendê-lo e despistar a atenção para algo na bolsa.
            Havia também o retardo no olhar. O homem só olhava para o que queria olhar da mulher enquanto falava com ela, era difícil conversar com um homem e perceber que ele estava prestando atenção mesmo era nos seios, no decote, nos lábios. Tudo bem que às vezes a vontade de beijar lábios carnudos é incontrolável, mas, para Claire um homem nunca chegaria ao beijo agindo daquela maneira. As mulheres não tinham retardo algum, elas olhavam, dissecava o homem completamente, e quando iam falar com eles já conhecia aquele corpo de olhos vendados, era só aproveitar a conversa preliminar de uma noite fogosa.
            As mulheres usam suas amigas para averiguar como o homem que está atrás dela – que por sinal está de frente para a amiga – sem precisar demonstrar que se interessou nele. Os homens, infelizmente, só sabiam pedir a opinião do amigo para saber se determinada mulher era “gostosa” ou não. Para Claire isso era uma falácia, pois, como saber se algo é gostoso sem ter provado? É como olhar para um bolo de chocolate, extremamente confeitado com muito recheio e na hora de levar o garfo à boca descobrir que de tão doce o bolo é intragável!
            O homem se aprendesse a usar os olhos com eficácia poderia mostrar o interesse sem ser invasivo ou poderia apenas tarar sem constranger e castrar a sensualidade da mulher observada. Ficaria mais expert ainda se usasse a visão lateral, é uma ótima forma de evitar girar a cabeça à 90 graus, e se soubesse usar uma superfície refletora, seja ela qual for – espelho, retrovisor, vidro – poderia olhar com o mesmo efeito de estar virando a cabeça à 180 graus.
            Claire sofreu e ainda sofre com esses “olhares de cabeça”, ela se impressiona como outras mulheres ainda se deixam levar por esse tipo de olhar. Quase nenhum homem “descobriu” ou “aprimorou-se” nessa forma feminina de olhar com os olhos. Nunca foram mulheres, muitos e muitas dirão, porém, todas aprovam o tipo de olhar. “Não é todo o dia que eu quero me ver despida pelo olhar de um homem que não soube ‘disfarçar’ a virada da cabeça”, “Isso é totalmente deselegante”. Era como Claire pensava, era como muitas mulheres pensavam, pois, “Apesar de gostar de me sentir desejada, tenho medo, o olhar parece não se conter, parece me estuprar”. É castrador, viola, é constrangedor, é horrível.
            As mulheres poderiam ensinar aos homens, é claro! Mas não daria certo. Eles aprenderiam demais sobre as mulheres, deixem as mulheres como estão, com a sensualidade, com a sexualidade delas, intactas, sendo castradas em breves milésimos de segundos. Pois, depois de castradas, a sensualidade volta, e volta tão perfeita que consegue fixar o olhar de Claire, é difícil desgrudar, é difícil deixar passar.
Ao som de alguma música instrumental o pub ia lotando, lotando. Pessoas iam à caça, pessoas iam afogar mágoas, pessoas iam relaxar após o dia puxado de trabalho, pessoas iam se encontrar e conversar, pessoas iam achar um par para passar a madrugada transando, relaxando, bebendo ou fumando, bebendo e fumando, bebendo e fumando e transando. Era assim que Claire as via, com passos pré-programados, ínfimos passos pré-programados. Claire gostava de misturar, modificar as coisas, abrilhantar a noite, tudo com requinte, com um jeito especial. Todas as noites eram especiais, principalmente na véspera de um final de semana.
            Na mesa ao lado estava um casal, um homem de barbas à fazer, com cabelos castanhos bem penteados e bem cortados, lisos e freneticamente ajeitados. Roupa casual, com tons desinteressantes, mas devia ter um “papo” interessante. Era fácil prever, ele iria jogar toda a conversa na mulher que o acompanhava, iria prometer algumas safadezas para aquela noite, dizia que tem carro – o que garante o conforto do transporte – mas, não evitaria beber alguns drinques, pois, era exatamente a leveza do álcool que o fazia dirigir com mais ânimo. Ela concordaria em deleitarem-se na aventura, os dois iriam para a casa dele – convenientemente um solteiro que já mora sozinho apesar da pouca idade – continuariam bebendo algo, ele iria fazer uma “comidinha” – a de sempre é claro, pois, ele só aprendeu uma coisa para fazer – ela iria achar ele um ótimo cozinheiro. Ele, enquanto abria a garrafa de vinho, iria falar dos ingredientes sofisticados que usava nas comidas, mal sabendo ele que de sofisticado a pimenta indiana não tem nada, mera invenção da história, por fim ele colocaria a mesa. O vinho se encarregaria sozinho de fluir a cena. Era do vinho o aroma delirante, era do vinho o sabor da volúpia do momento, do apetite insaciável do lábio alheio. O tom deixado nos lábios exigia saliva, a saliva incitava o beijo. Era do vinho a embriaguez responsável por levar os dois corpos à cama, espalhar roupas pelo chão, suar intensamente, suar intensamente, suar intensamente, suar intensamente, cansar intensamente e dormir. Acordar ainda na madrugada, beber litros d’água e correr para o carro ainda sem calçar o salto alto, voltar para casa no escuro ainda sentindo o órgão rígido alheio.
            Era fácil de prever, Claire gostava de fazer o imprevisível, gostava de modificar a ordem das coisas. Então pediu para o garçom mais duas doses do que o casal estava bebendo, moveu-se levemente para a mesa, ofereceu as bebidas e sentou-se com eles. Depois de algumas horas o homem já estava desconcertado. Ele imaginava que havia ganhado na loteria e iria pela primeira vez dormir com duas mulheres, o sonho de toda a virilidade masculina. De toda a virilidade tola, pois, o normal era o homem não conseguir dá conta das mulheres e elas acabarem cansando dele, e depois dele dormir elas faziam a festa. Claire sabia, a festa dessa noite era dela e daquela linda mulher.
            A conversa fluía fácil, Claire sabia mexer no cabelo apenas nas horas indispensáveis, pois, era no pescoço a concentração de perfume, o cabelo fazia um “efeito estufa” e o cheiro ficava ali guardado, era só mexer no cabelo na altura dos ombros e o cheiro tomava conta de todo o ambiente num máximo de meio metro de distancia, alcance do olfato da garota. O homem estava desconcertado. Desconcertado saiu e nem foi percebido, Claire e a mulher nem perceberam e quando se deram conta outros dois drinques tinham acabado de chegar à mesa. Quem o segurava era um homem moreno quase negro, não muito forte, nem muito definido, mas bem vestido. Os tons combinavam muito bem, o a camisa estava com o botão do pescoço aberto, libertando uma visão translúcida do peitoral dele e um pouco da fragrância do perfume. Tinha os cabelos cortado bem curto, e um olhar penetrante. Claire, antes mesmo de ele pedir, já tinha dito com os olhos que ele poderia sentar. Ele sentou, aquela figura enigmática disse que só queria observar, todas as outras mesas estavam com casais ou então com pessoas sozinhas e ele não estava muito a fim de conversa, só queria se sentar.
- É claro, mas, você não acha estranho sentar-se, nos trazer bebidas e querer que acreditemos que tudo não passa de uma vontade de sentar? – Claire pergunta meio maravilhada pela beleza do homem, meio chateada por ele ter interrompido a cantada.
- Não que eu quisesse me intrometer, mas, esse é um bom modo de chamar a atenção, principalmente quando a bebida não foi solicitada ao garçom previamente, pois, se fosse vocês nem olhariam para quem colocava as duas taças na mesa.
- Você está certo, mas, qual o seu interesse de observação? – A mulher morena pergunta para ele.
- Às mulheres é claro! E mais evidente ainda, observando os homens pisando na bola constantemente, são brutos, não conhecem nada de sedução, nada sobre uma boa conversa, nada sobre nada. Mal, sabem olhar para as mulheres, vivem impedindo elas de serem elas mesmas, sempre querendo chegar logo lá, sempre falando das pernas dela, dos lábios, e elas entendendo que eles só querem sexo. Elas também só querem isso, mas, não invadem os homens para isso.
- Você, você já me ouviu falar da minha teoria? – Claire pergunta meio desconcertada.
- Não, claro que não garota, nunca lhe conheci, quer dizer venho lhe vendo desde que chegou, mas, nunca falei com você.
- Me observando? Como assim? Como não percebi? – Claire, gagueja um pouco, ela sempre percebia quando olhavam para ela – Bem, isso não importa agora, você precisa ouvir sobre a “De como olhar com os olhos”.
- Entendo perfeitamente – O homem estava entusiasmado, Claire tinha organizado tudo o que ele pensava sobre a falta de preparo do homem para a sedução, tudo. Ele não ouviu atentamente os detalhes, os exemplos, tudo. Ouviu atentamente, ouviu e sentiu que aquela noite iria se prolongar, pois, o olhar de Claire modificou-se, o foco estava nele e não na garota ao lado dela.
- Veja só – Claire falou – você disse que me observou desde quando cheguei, conte-me como não percebi isso?
- É simples Claire – falou a mulher morena – ele, antes mesmo de você contar, já “olhava com os olhos”.
- Exatamente, Claire. Vi-lhe chegando com os cabelos presos e um blazer, entrou no banheiro e saiu de lá sem o blazer e com os cabelos soltos. Logo pensei que para fazer isso no banheiro você deve ter lavado o rosto, retocado a maquiagem, e colocado perfume no pescoço, apenas duas baforadas de puro perfume – o homem olhava atentamente no olhar de Claire, atentamente, penetrava por entre a íris, uma porta para o convencimento.
- Fale mais, fale mais – Claire sentiu-se molhada, isso nunca havia acontecido, era excitante.
- Ficou sentada, olhando as pessoas como eu. Percebeu a mediocridade do gênero masculino e na incapacidade deles de seduzir, percebeu que as mulheres desistiram de lutar contra isso e hoje se lançam sobre cantadas bestas, e as usam como piadas entre as amigas. Percebeu o casal na mesa ao lado, percebeu a inexperiência do homem que estava aqui anteriormente, decidiu mostrar a ele como se faz e ofereceu um drinque, e desde então vem tentando convencer essa linda mulher a ir para sua casa, apesar dela não ter percebido que você já a desejou e fantasiou coisas.
- Como assim? Ela estava me seduzindo? Eu só pensei que tinha arrumado uma companheira de bebidas, por hoje, ou talvez por algum tempo, eu, eu, estou sem palavras – a mulher morena disse olhando para Claire, quase não acreditando.
- É verdade – a voz de Claire já estava trêmula, mal conseguia conter a excitação – sabe minha linda, percebi você e decidi investir, você estava quase indo ao meu apartamento e lá o vinho se encarregaria do resto, sempre é assim. Porém, esse lindo homem veio para estragar tudo, pois, ele saque que eu gosto do que ele gosta.
- Sei sim, por isso, vim oferecer um vinho em minha casa, sem compromisso. Só para terminar essa conversa em paz, com menos barulho, com mais privacidade e de forma mais confortável. Prometo que não farei nada demais, apenas pretendo conversar.
- Eu topo! – Claire não se continha, logo ficou em pé, pegou a bolsa, ajeitou o vestido, e soltou o cabelo novamente, deixando escapar o perfume.
- Eu ainda não estou entendendo tudo isso, mas, eu topo – a mulher morena falou – vocês se quiserem fazer algo, façam entre si.

            Ao chegar à prometida casa, confortável e sensual prometida casa, Claire observou lentamente. Viu um brinquedo de criança perto do sofá da sala foi esquecido ali por alguém, ela foi pegou o brinquedo e mostrou para o homem, pediu uma explicação, pois, era evidente que sua excitação não duraria mais um segundo se em algum quarto estivesse dormindo uma criança de no máximo seis anos. Logo ficou esclarecido que aquele belo homem já tinha sido casado, e a filha ficava com ele alguns dias da semana, mas, naquela noite ela não estava. Abriram o vinho, e Claire parecia mais excitada com aquele homem, que por cima parecia ser um pai atencioso.
            O vinho realmente encarregou-se do trabalho, logo Claire e o homem convenceram a mulher morena de irem os três para a cama. A cama horas parecia pequena para os três, hora parecia enorme. As roupas se confundiam no chão e mãos se confundiam na pele. Tons misturados, desejos misturados. Noite surpreendente, porém, não houve quem acordasse pela madrugada e bebesse litros d’água e corresse para o carro. Eles ficaram ali, a experiência foi saborosa demais para provarem apenas uma única vez.
            A madrugada varou o dia, o dia varou as refeições, o apartamento estava com as cortinas fechadas e assim elas continuaram. Três corpos nus andavam pela casa, cozinhavam, brincavam, sorriam, assistiam filmes, jogavam-se na cama. Um fim de semana diferente. Confortável.
            Claire lembrava-se perfeitamente daquele dia, foi um dia diferente. Foi o primeiro homem que ela conheceu que sabia “olhar com os olhos”, o primeiro homem que além de cor tinha sabor de café. Aquele sabor quente, suave e forte ao mesmo tempo, sabor misturado com perfume. Ele sabia “olhar com os olhos”, ele era diferente de outros homens, por isso a facilidade, não parecia estranho deitar-se com ele. Claire lembrava-se das cenas, recusava lembrar os nomes. Ela não sabia por que, mas, se recusava. Nem mesmo para Anna ela falou os nomes.
            Anna. Anna foi o motivo para tantas lembranças. Ela falou de sua teoria para Anna na noite anterior. Na verdade elas conversaram sobre muitas coisas. Aquela havia sido uma noite atípica, pois, estava acordada na cama de Anna, roupas espalhadas pelo chão, mas, sua calcinha estava delicadamente debruçada sobre o rosto de Anna. Claire olhava atentamente, com desconfiança de tudo. Olhou, Olhou, com os olhos, olhou. Deitou, abraçou Anna e dormiu.  

(Y. S. S.)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Lembrança de André


Giovanni era um homem que não aparentava seus cinquenta anos. Não pelo fato de querer ser eternamente jovem, mas, ele simplesmente era. Comerciante de sucesso seguiu os negócios da família, e com uma visão enorme de mercado percebeu que não adiantava apenas exportar café do Brasil, mas, tinha de abrir cafeterias e multiplicar os lucros da empresa.
            Giovanni adentrava aos corredores de sua casa e as fotos se espalhavam pela parede e cômodos, fotos do início do século XX, fotos de família. Seu pai era italiano e havia imigrado para o Brasil junto com sua esposa, que esperava um filho, e sua irmã. Logo que chegou trabalhou num cafezal, mas, demonstrou para seus patrões a habilidade para os negócios. Habilidades valorizadas pelos patrões, uma prática incomum é claro.
            Na próxima, Giovanni criança, um menino extrovertido, sempre com muita energia e inteligente. Foto colorizada, num tom azulado. Seu pai já estava trabalhando como vendedor para o patrão e fazia muito dinheiro. Na próxima foto, Giovanni já era adolescente e estudava no Colégio Pedro II, preparava-se para seguir a profissão do pai, venderia café. Ele adorava o cheiro do café, a forma com que era produzido e o quanto ele era lucrativo no mercado, apesar da crise que deu no governo daquele Gaúcho.
            A foto que estava em cima da cômoda no corredor era uma em que Giovanni estava ao lado da ex-esposa e do seu filho André. A maioria das fotos era sobre seu filho. Admirava bastante o modo com que André o havia enfrentado anos atrás, o modo como o filho desistiu de seguir a carreira de comerciante e se enveredou pela fotografia. A fotografia, Giovanni também a admirava muito, mas não entendia como ela podia ser lucrativa e seu filho o mostrou como. André era um fotógrafo de sucesso, conhecido internacionalmente, e a formação que seu pai pode pagar também foi a melhor. Giovanni pagou para o seu filho as melhores faculdades de administração e economia, e André cursou as duas até o último período, mas, sua obsessão por fotografia o levou a largar todos os cursos que o pai lhe “empurrava”. Giovanni brigou com seu filho. Foi uma briga feia, proibiu André de voltar para casa, “aprisionou” seu filho na Europa sem dinheiro, sem nada, apenas o apartamento espaçoso com móveis de madeiras nobres e, muitas, muitas câmeras.
            A primeira foto com que seu filho ganhou um prêmio internacional de fotografia estava na parede da sala. Ele a colocou lá para aprender a não subestimar as pessoas, principalmente seu filho. Pois, era um menino que tinha garra e força de vontade, bastante inteligente e determinado a conseguir o que queria na profissão que escolhesse. A foto simbolizava isso, a vitória do seu filho apesar das adversidades, Giovanni o havia deixado sem dinheiro, sem mesada, e o filho conseguiu trabalhar, estudar, formou-se em fotografia, artes e era reconhecido pelo seu talento.
            É claro, André agora continuou vivendo a vida boêmia e galante de quando era jovem. Era voto vencido. André sempre saia com suas modelos, Giovanni desconfiava disso. Até ler em jornais todo o burburinho sobre o ensaio nu que André fez tendo Anna como modelo. Giovanni já estava sentado na poltrona esperando seu filho, era uma daquelas visitas rápidas. Muito rápidas.

...

            André ainda tinha a chave de sua velha casa, entrou pela porta principal e via as fotos da família. Viu passado remoto do seu avô, chegando num navio, foto em preto e branco, já amarelada. André não conheceu o avô, sabia apenas que ele era um homem austero e resoluto, italiano de fibra. Na cômoda no corredor, mais alguma fotos. André pôde ver seu pai ainda menino, brincando no cafezal, apreciando o cheiro do café.
            Noutra foto, estava seu pai e sua mãe, brasileira e mulata. André sempre achou que herdou dos genes da mãe essa sua forma de atrair as pessoas, principalmente belas modelos europeias. André tinha a pele um pouco escura, nada que o declarasse como moreno, mas, não era brando e nem amarelado. Tinha lábios mais carnudos e um rosto sisudo, tinha olhos vibrantes e azuis. André herdou os olhos, a estrutura corporal e os cabelos do pai, mas tinha a cor e os lábios da mãe. Sua mãe morrera no parto. Aparentemente André sofre por não tê-la conhecido. Passou bom tempo ouvindo falarem bem dela, pessoa amável, carinhosa, e que iria amar muito o filho. André teve carência com o amor.
            Noutra foto, era uma foto que ele havia tirado quando criança, dos pés do pai. Olhava para seu pai com um tom estranho, a foto representava muito. Passou boa parte da vida sem conseguir encarar os olhos do pai. Não era para menos, Giovanni herdou o jeito austero e resoluto do pai. André teve muitos problemas com o pai. Porém, sabia que se hoje era viciado em café e sabia fazer um dos mais gostosos do mundo, foi por conta de Giovanni. Seu pai, o ensinou a fazer um café bastante cremoso, cheiroso e extremamente saboroso. Giovanni tinha deixado de mandar dinheiro para o filho, mas, todo o mês na caixa de correios de André sempre constava dois pacotes de café do melhor grão que sei pai produzia.
            A outra foto André reconheceu, foi a que ele ganhou o primeiro prêmio internacional de fotografia. Linda. Linda. Desviou o olhar, e lá estava seu pai sentado na poltrona.
- Quanto tempo meu filho, ainda bem que o voo chegou cedo – Giovanni ainda molhava os olhos quando via seu filho depois de tanto tempo, era normal, passaram por muitas coisas, era difícil não se emocionar com o filho bem sucedido e inteligente.
- Foi cansativa a viagem, muita gente, mulheres com medo, homens com medo, crianças adorando, o de sempre – André, estava ali para uma visita rápida, foi contratado para tirar umas fotos de modelos na semana de moda de São Paulo – Pai, têm café?
- Isso é pergunta rapaz! – ambos riram alto, André costumava pregar essas peças desde moleque. Giovanni já estava acostumado.
- Sabe pai, está na hora do senhor saí dessa poltrona, desde muito novo o senhor não viaja pelo mundo, não conhece ninguém, prefere pagar um funcionário para ir à Europa do que ir o senhor mesmo. Isso não é justo, você não está sendo justo com você mesmo! – André, tinha ido ver o pai, mas, dessa vez estava um pouco mais decidido. Tinha de falar coisas ainda não faladas, desbravar oportunidades e diálogos, estava acostumado, pois, era sempre ele quem iniciava esse tipo de conversa.
- Lá vem você, lá vem você, menino. Sabe que sou assim desde a morte de sua mãe.
- Mas, pai, o senhor tem cinquenta anos, está em boa forma, é muito mais bem sucedido que eu e tem uma marca reconhecida internacionalmente. Porque não sai por aí, conhecendo novas pessoas, novas mulheres, quem sabe não pinta um casamento?
- Você também tem uma marca reconhecida internacionalmente, principalmente pelas modelos, mas não pintou ainda nenhum casamento, você só quer saber de fazer a propaganda da marca e esperar o feedback – O tom sarcástico e safado da fala de Giovanni fez seu filho dar uma risada gostosa, risada de filho, boa de ouvir – Vai dizer que os jornais estão errados sobre essa tal de Anna?
- Parece que tudo agora é essa mulher. Nunca vi, mulheres me conhecem e perguntam logo pela Anna. “Você teve mesmo um caso com ela? Ela era assim mesmo tão atraente? A cor dos seios era rosada assim naturalmente?” já estou cansado disso. Realmente, pai, eu tive um caso com ela, mas nada duradouro, ambos sabíamos que aquilo não daria certo, espero que agora ela esteja em outra – Mal sabia André que era noutra literalmente. 
- Filho, entenda que essa sua vida de “pegador” não dá para mim, boêmia nunca combinou comigo.
- Realmente, vovô lhe treinou para o trabalho, para o trabalho. E as mulheres, e sua vida? Sua vida? Ela não importa?
- Importa sim, só que não me acho pronto para isso ainda – Giovanni já esperava seu filho falar “E esse pronto será quando? Aos 90 anos?”, mas André não falou nada, apenas ficou olhando alguns segundos e correu para a cozinha, ia fazer café.

            O cheiro tomava conta da casa. Era uma casa modesta, uma casa de negócios. Giovanni passava a maior parte de sua vida lá, por isso as fotos da família ficavam ali. A casa “de verdade” deles ficava longe e era enorme. André não ia lá havia anos, e não seria dessa vez que conseguiria ir. Giovanni esperava na poltrona o filho voltar com o café, enquanto isso pensava na proposta do filho, sabia que ele estava certo. Giovanni era muito novo, física e mentalmente. Poderia ter uma vida novamente.
            André estava na cozinha, e esboçou uma lágrima ao ver um grande quadro da mãe que ele não conheceu. A lágrima era por saber que sem ela seu pai havia se tornado amargo. A vida parecia sem cor para o pai, nada parecia está bom o bastante. André teve que lutar muito para sair daquele furacão de frustações. O café estava quase pronto, já estava na hora de voltar a conversar com seu pai. Tinha de contar sobre Violet, a linda e inesquecível Violet.

(Y. S. S.)

sábado, 4 de agosto de 2012

Lembrança de Anna


Ao entrar no recinto era fácil de sentir um cheiro de canela e cravo da Índia. Era difícil de imaginar um cheiro daquele compondo a fragrância do perfume de alguém, ficaria enjoativo e de dar dores de cabeça. O recinto era uma cafeteria e o cheiro era do ambiente. A máquina de café expresso emitia um som que tomava conta do local, mas as pessoas não se incomodavam, magicamente uma cafeteria provocava o mesmo efeito de um bar. O café inebriava tanto quanto o álcool e as pessoas danavam-se a conversar em tom alto e gesticular.
            A arte de gesticular enquanto fala só existe em pessoas que possuem uma necessidade imensa de comunicação e expressão ou então em pessoas que de tão reprimidas – seja pela sociedade ou por timidez – acabam sentido a necessidade de se mexer para conseguir passar uma simples informação. O local estava cheio de gesticuladores, por toda a parte, tudo era motivo para uma reles mexidinha na mão.
            Voltando para o café, era uma sexta-feira como outras. Oito da noite e o fluxo de pessoas começaram a aumentar. Algumas haviam chegado mais cedo, lido alguns livros, averiguado atualizações nas redes sociais, tomado alguns cafés, se inebriado pelo cheiro da cafeína e conversado. Alto, conversando muito alto.
            Anna já não aguentava mais o barulho. Imagine um local com cerca de 100 pessoas, sentadas tomando café, mas conversando alto. Somado a isso ainda tem o barulho da máquina de café expresso, uma não, três! Música ambiente, quase inaudível.
            Anna não gostava muito de sentar nas mesas, preferia ficar no balcão, havia um local ali no café em que ela podia ver o ambiente num ângulo mais aberto. Dois anos atrás ela nem imaginava o que era observar as pessoas e aprender coisas com isso, porém, depois do seu affaire com André, ela tinha aprendido algumas coisas. Com apenas dezenove anos, Anna sentia na pele o que era ser considerada nova demais. Até porque ela mesma tinha essa impressão. De um ano para cá, pareceu que tinha envelhecido cinco ou seis anos.
            A porta do café abriu-se e entrou uma mulher, usava uma calça comprida apertada, salientando as curvas das pernas, uma bota para o frio que fazia naquela noite e uma blusa vermelha, também apertada ao corpo. Seus seios eram menores que os de Anna e, com certeza, não tão consagrados. Porém, tinha de destacá-los, por isso o decote na blusa. Os cabelos eram castanhos, brincos em formato de argola, olhos verde azulado, rosto fino e com uma expressão firme. Braços com pele macia e uma bunda proeminente, nada exagerado, mas proeminente. O tom claro de sua pele era atraente e tinha alguns sinais pelo corpo, poucos. Quando tirou a expressão de busca do rosto era por ter achado onde Anna estava. Caminhou todo o recinto, viu todos os homens virarem o rosto para olhá-la, fingiu não saber, mas, sabia. Sabia e gostava, deliciava-se com a ideia de ser desejada. O desejo, impulsionador, filósofos concordavam unânimes. O desejo.
            Ao encontrar Anna, não conseguiu esconder a excitação nos olhos. Quando foram se cumprimentar sua mira era nos lábios da modelo, mas, desviou. Ainda não era hora de demonstrar seus sentimentos, e daquele jeito só iria conseguir irritação, desconforto e desconfiança da sua amada. Contentou-se em beijar sua bochecha, abraça-la vagarosamente.
            O corpo de Anna era quente, com um calor reconfortante e morno, nada muito picante e sensual. A sensualidade ficava com seu jeito de se expressar, de olhar, vestir, portar. Logo começou a conversa

- Anna!! Saudade! Fazia tempo que não nos encontrávamos – seu inglês era afrancesado e sabia que Anna demoraria em decifrar algumas palavras – quando me ligou pela manhã, mal pude me conter, saí até mais cedo do trabalho, como vão as coisas?
- Claire você sabe, viajando muito, a vida de modelo não é nada fácil. Mas, são exatamente as viagens que dão o sabor do ofício. Conhecer países e continentes, e pessoas, e lugares, e comidas e pessoas novamente. Como você minha Aimée, como você está?
- Estou bem – dando uma risada de soslaio, Claire achava que tinha se acostumado com a piada, seu nome era Claire Aimée, Aimée no francês significava amada, e seus pais, como amavam bastante a filha que ia nascer assim a nomeara, só não podiam imaginar que isso seria futuramente um motivo de chacota – meu trabalho toma todo o meu tempo, e quase não tenho disposição para sair, me arrumar e tal.
- Pára com isso menina! Onde está sua vitalidade, sensualidade, e, porque não, virilidade? – Anna, tentava a todo o custo fazer com que a amiga esquecesse o antigo namorado. Anna não sabia o nome dele, mas sabia que ele tinha sido um cretino. Largar uma francesa linda como Claire, tinha que ser burrice, estupidez e criancice das grandes. Ainda mais tendo sido uma traição – Amiga, nesse café, nesse ínfimo café eu já vi quatro estonteantes homens, todos te esperando. Sei disso, todos te olhavam enquanto você andava. Secando, fitando, comendo com os olhos, principalmente depois de você dar as costas. – a risada das duas quase ecoava, mas o barulho não permitiu.
- Esta bem, mas hoje não estou a fim, quero é conversar contigo, tirar o atraso da nossa amizade – tirar o atraso do desejo de sentir o cheiro de Anna, ver seu rosto alvo e macio. Aproveitar do momento de intimidade que só amigas possuem, e às vezes até sentia-se como uma traidora, porque, Anna não sabia dos sentimentos e olhares aguçados de Claire. Chegaram a trocar de roupas juntas, Claire por pouco não lançou os lábios nos seios de Anna, conteve-se e ficou apenas olhando. Traindo.
- Faremos o seguinte, tomaremos essa bebida brasileira, doses homeopáticas, ficamos bêbadas, depois iremos ao quarto de hotel que estou hospedada e amanhã será um dia de ressaca, sofá e filmes. O que acha? – Anna falava com excitação e com saudade de fazer essas pequenas loucuras, pois, as maiores ela não tinha mais fôlego. Seu fôlego foi interrompido pela longa jornada de viagens necessárias para sustentar-se. O tempo que passaria com Claire iria ocupar todo o tempo, no Domingo estaria voando para Bruxelas.
- Eu topo!!!!!! – A excitação de Claire batia taxas e taxas de medida, se medir excitação fosse possível. Claire estava pronta para conversarem toda a noite, beber aguardente e depois dormir com Anna, talvez repetisse a dose da vez anterior. Três meses atrás as duas, depois de uma noitada, dormiram juntas, na mesma cama. No meio da madrugada Anna encontrou-se na amiga e dormiram juntas. Claire lembrava-se da conchinha como a sensação de cuidado extremo, sentiu-se guardada, como quem esperasse a brisa da primavera para poder voar, ou um leve frio de inverno indicando a hora de descansar. Lembrava-se e traia, o pensamento de traição não fugia de sua mente. Mas, como explicar para Anna? O que poderia falar? Poderia perder aquilo para sempre! Sempre! Deixou as coisas andarem, sabe-se lá o que iam fazer depois de bêbadas, o que iriam conversar depois de bêbadas.

...

            Pela madrugada Anna acordou e se espantou ao descobrir-se completamente nua, cabelos soltos pelo travesseiro e a cabeça rodando. Estava com ressaca, mas sem peso. Tem ressaca que causa um peso enorme no corpo da pessoa, mas, nessa madrugada ela estava leve. Alguma coisa tinha acontecido. Olhou para o lado e num susto viu Claire deitada, seios à amostra, cabelos também soltos pelo travesseiro e também com um semblante leve. O que havia acontecido com ela, atingiu Claire também. Atingiu?
            Anna desconfiou que na aguardente pudesse ter alguma droga, mas lembrou-se que era fraca mesmo para a bebida brasileira e qualquer dose a deixava completamente bêbada, perdendo a memória. Procurou sinais do que tinha acontecido no quarto, levantou a cabeça com muita dificuldade, e o susto foi ainda maior.
            Duas blusas estavam ainda na porta do quarto, um pouco distante os sutiãs. Na cômoda ao lado da parede de entrada os objetos estavam espalhados, encostavam-se à parede e alguns estavam caídos. Um cinto, o dela, estava pendurado por pouco no abajur e o de Claire estava esparramado no chão. Suas calças jeans estavam logo nos pés da cama, mas as de Claire estavam no lado onde ela estava deitada. A calcinha de Claire ainda estava entre o travesseiro e a cama e a sua calcinha estava jogada perto do banheiro suíte. Pela disposição bastante comum das roupas só havia uma resposta: Sexo!
            A cabeça de Anna já estava tonta, e agora uma dor de cabeça começou a se apresentar, tudo aquilo era estranho e novo. O que havia acontecido? Tentou lembrar-se, nada vinha. Estava angustiada, balançava a cabeça tentando negar o fato. Olhava para os lados, para o teto, para dentro do banheiro. Lá, nenhum sinal de banho, vômito, ou droga ingerida. Desistiu, abaixou a cabeça e pôs a mão direita na testa, descansando do peço da consciência. Fechando os olhos, aplicando um pouco mais de força, mas, nem conseguia se lembrar de nada, nem conseguia acabar com a dor de cabeça que estava surgindo e aumentando. Quando reabriu os olhos fitou a calcinha de Claire, teve um pensamento, mas tentou esquecê-lo. Não conseguiu, pegou a calcinha e a trouxe lentamente ao rosto, sua mente lutava para não concluir o ato, mas era impossível. O tempo parecia ter parado, a dor de cabeça parou de alfinetar e as coisas tinham parado de rodar, finalmente cheirou a calcinha.
            O cheiro era delicioso, um odor leve de algo inexplicavelmente gostoso. Não havia sentido cheiro similar em perfumes, comidas, rosas, em nada. Era o cheiro de hormônios. Para cheirar assim Claire deve ter sentido tesão durante a noite antes de retirar a calcinha, suficiente para impregnar a roupa de desejo e fluido tentador, cheiroso. Logo uma imagem veio na cabeça.
            Cenas de Claire tirando sua roupa; as duas conversando ainda no bar, já na quinta dose de aguardente; cena das duas completamente nuas em pleno clímax; cenas das duas pegando um táxi após sair do bar; as duas subindo o elevador e dando o primeiro beijo; cena de Claire ainda no táxi falando ao seu ouvido; cena do fim da transa, as duas caindo em seu lado na cama, abraçando-se e dormindo de conchinha; cena ainda no táxi em que Anna se aproxima do ouvido de Claire, ambas bêbadas, e dizendo: O que acha de sexo? Entre mulheres? Entre amigas? Entre desejos escondidos e agora revelados?. Foi Anna quem tinha dado a cartada, a dor de cabeça estava ainda mais forte, o rpm do quarto havia acelerado. Anna só conseguiu deitar a cabeça sobre o travesseiro e, ainda com a calcinha de Claire sobre o rosto, dormiu.

(Y. S. S.)