Giovanni era um homem que não aparentava seus cinquenta
anos. Não pelo fato de querer ser eternamente jovem, mas, ele simplesmente era.
Comerciante de sucesso seguiu os negócios da família, e com uma visão enorme de
mercado percebeu que não adiantava apenas exportar café do Brasil, mas, tinha
de abrir cafeterias e multiplicar os lucros da empresa.
Giovanni
adentrava aos corredores de sua casa e as fotos se espalhavam pela parede e
cômodos, fotos do início do século XX, fotos de família. Seu pai era italiano e
havia imigrado para o Brasil junto com sua esposa, que esperava um filho, e sua
irmã. Logo que chegou trabalhou num cafezal, mas, demonstrou para seus patrões
a habilidade para os negócios. Habilidades valorizadas pelos patrões, uma
prática incomum é claro.
Na próxima,
Giovanni criança, um menino extrovertido, sempre com muita energia e
inteligente. Foto colorizada, num tom azulado. Seu pai já estava trabalhando
como vendedor para o patrão e fazia muito dinheiro. Na próxima foto, Giovanni
já era adolescente e estudava no Colégio Pedro II, preparava-se para seguir a
profissão do pai, venderia café. Ele adorava o cheiro do café, a forma com que
era produzido e o quanto ele era lucrativo no mercado, apesar da crise que deu
no governo daquele Gaúcho.
A foto que
estava em cima da cômoda no corredor era uma em que Giovanni estava ao lado da
ex-esposa e do seu filho André. A maioria das fotos era sobre seu filho.
Admirava bastante o modo com que André o havia enfrentado anos atrás, o modo
como o filho desistiu de seguir a carreira de comerciante e se enveredou pela
fotografia. A fotografia, Giovanni também a admirava muito, mas não entendia
como ela podia ser lucrativa e seu filho o mostrou como. André era um fotógrafo
de sucesso, conhecido internacionalmente, e a formação que seu pai pode pagar
também foi a melhor. Giovanni pagou para o seu filho as melhores faculdades de
administração e economia, e André cursou as duas até o último período, mas, sua
obsessão por fotografia o levou a largar todos os cursos que o pai lhe “empurrava”.
Giovanni brigou com seu filho. Foi uma briga feia, proibiu André de voltar para
casa, “aprisionou” seu filho na Europa sem dinheiro, sem nada, apenas o
apartamento espaçoso com móveis de madeiras nobres e, muitas, muitas câmeras.
A primeira
foto com que seu filho ganhou um prêmio internacional de fotografia estava na
parede da sala. Ele a colocou lá para aprender a não subestimar as pessoas,
principalmente seu filho. Pois, era um menino que tinha garra e força de
vontade, bastante inteligente e determinado a conseguir o que queria na
profissão que escolhesse. A foto simbolizava isso, a vitória do seu filho
apesar das adversidades, Giovanni o havia deixado sem dinheiro, sem mesada, e o
filho conseguiu trabalhar, estudar, formou-se em fotografia, artes e era
reconhecido pelo seu talento.
É claro,
André agora continuou vivendo a vida boêmia e galante de quando era jovem. Era
voto vencido. André sempre saia com suas modelos, Giovanni desconfiava disso.
Até ler em jornais todo o burburinho sobre o ensaio nu que André fez tendo Anna
como modelo. Giovanni já estava sentado na poltrona esperando seu filho, era
uma daquelas visitas rápidas. Muito rápidas.
...
André ainda
tinha a chave de sua velha casa, entrou pela porta principal e via as fotos da
família. Viu passado remoto do seu avô, chegando num navio, foto em preto e
branco, já amarelada. André não conheceu o avô, sabia apenas que ele era um
homem austero e resoluto, italiano de fibra. Na cômoda no corredor, mais alguma
fotos. André pôde ver seu pai ainda menino, brincando no cafezal, apreciando o
cheiro do café.
Noutra
foto, estava seu pai e sua mãe, brasileira e mulata. André sempre achou que
herdou dos genes da mãe essa sua forma de atrair as pessoas, principalmente
belas modelos europeias. André tinha a pele um pouco escura, nada que o declarasse
como moreno, mas, não era brando e nem amarelado. Tinha lábios mais carnudos e
um rosto sisudo, tinha olhos vibrantes e azuis. André herdou os olhos, a
estrutura corporal e os cabelos do pai, mas tinha a cor e os lábios da mãe. Sua
mãe morrera no parto. Aparentemente André sofre por não tê-la conhecido. Passou
bom tempo ouvindo falarem bem dela, pessoa amável, carinhosa, e que iria amar
muito o filho. André teve carência com o amor.
Noutra
foto, era uma foto que ele havia tirado quando criança, dos pés do pai. Olhava para
seu pai com um tom estranho, a foto representava muito. Passou boa parte da
vida sem conseguir encarar os olhos do pai. Não era para menos, Giovanni herdou
o jeito austero e resoluto do pai. André teve muitos problemas com o pai.
Porém, sabia que se hoje era viciado em café e sabia fazer um dos mais gostosos
do mundo, foi por conta de Giovanni. Seu pai, o ensinou a fazer um café
bastante cremoso, cheiroso e extremamente saboroso. Giovanni tinha deixado de
mandar dinheiro para o filho, mas, todo o mês na caixa de correios de André
sempre constava dois pacotes de café do melhor grão que sei pai produzia.
A outra
foto André reconheceu, foi a que ele ganhou o primeiro prêmio internacional de
fotografia. Linda. Linda. Desviou o olhar, e lá estava seu pai sentado na
poltrona.
- Quanto tempo meu filho, ainda bem que o voo chegou cedo –
Giovanni ainda molhava os olhos quando via seu filho depois de tanto tempo, era
normal, passaram por muitas coisas, era difícil não se emocionar com o filho
bem sucedido e inteligente.
- Foi cansativa a viagem, muita gente, mulheres com medo,
homens com medo, crianças adorando, o de sempre – André, estava ali para uma
visita rápida, foi contratado para tirar umas fotos de modelos na semana de
moda de São Paulo – Pai, têm café?
- Isso é pergunta rapaz! – ambos riram alto, André costumava
pregar essas peças desde moleque. Giovanni já estava acostumado.
- Sabe pai, está na hora do senhor saí dessa poltrona, desde
muito novo o senhor não viaja pelo mundo, não conhece ninguém, prefere pagar um
funcionário para ir à Europa do que ir o senhor mesmo. Isso não é justo, você
não está sendo justo com você mesmo! – André, tinha ido ver o pai, mas, dessa
vez estava um pouco mais decidido. Tinha de falar coisas ainda não faladas,
desbravar oportunidades e diálogos, estava acostumado, pois, era sempre ele
quem iniciava esse tipo de conversa.
- Lá vem você, lá vem você, menino. Sabe que sou assim desde
a morte de sua mãe.
- Mas, pai, o senhor tem cinquenta anos, está em boa forma,
é muito mais bem sucedido que eu e tem uma marca reconhecida
internacionalmente. Porque não sai por aí, conhecendo novas pessoas, novas
mulheres, quem sabe não pinta um casamento?
- Você também tem uma marca reconhecida internacionalmente,
principalmente pelas modelos, mas não pintou ainda nenhum casamento, você só
quer saber de fazer a propaganda da marca e esperar o feedback – O tom sarcástico
e safado da fala de Giovanni fez seu filho dar uma risada gostosa, risada de
filho, boa de ouvir – Vai dizer que os jornais estão errados sobre essa tal de
Anna?
- Parece que tudo agora é essa mulher. Nunca vi, mulheres me
conhecem e perguntam logo pela Anna. “Você teve mesmo um caso com ela? Ela era
assim mesmo tão atraente? A cor dos seios era rosada assim naturalmente?” já estou
cansado disso. Realmente, pai, eu tive um caso com ela, mas nada duradouro,
ambos sabíamos que aquilo não daria certo, espero que agora ela esteja em outra
– Mal sabia André que era noutra literalmente.
- Filho, entenda que essa
sua vida de “pegador” não dá para mim, boêmia nunca combinou comigo.
- Realmente, vovô lhe treinou para o trabalho, para o
trabalho. E as mulheres, e sua vida? Sua vida? Ela não importa?
- Importa sim, só que não me acho pronto para isso ainda –
Giovanni já esperava seu filho falar “E esse pronto será quando? Aos 90 anos?”,
mas André não falou nada, apenas ficou olhando alguns segundos e correu para a
cozinha, ia fazer café.
O cheiro
tomava conta da casa. Era uma casa modesta, uma casa de negócios. Giovanni passava
a maior parte de sua vida lá, por isso as fotos da família ficavam ali. A casa “de
verdade” deles ficava longe e era enorme. André não ia lá havia anos, e não
seria dessa vez que conseguiria ir. Giovanni esperava na poltrona o filho
voltar com o café, enquanto isso pensava na proposta do filho, sabia que ele
estava certo. Giovanni era muito novo, física e mentalmente. Poderia ter uma
vida novamente.
André
estava na cozinha, e esboçou uma lágrima ao ver um grande quadro da mãe que ele
não conheceu. A lágrima era por saber que sem ela seu pai havia se tornado
amargo. A vida parecia sem cor para o pai, nada parecia está bom o bastante.
André teve que lutar muito para sair daquele furacão de frustações. O café
estava quase pronto, já estava na hora de voltar a conversar com seu pai. Tinha
de contar sobre Violet, a linda e inesquecível Violet.
(Y. S. S.)