Violet estudou todo o ensino médio para ser médica,
advogada, engenheira, dentista, enfermeira, ou qualquer coisa que fosse “bem
quisto pela sociedade”. No meio do caminho houve um desvio. A culpa foi do seu
professor de sociologia. Ele tinha um olhar voltado para o horizonte, mas, uma
percepção vibrante do cotidiano, falava das pessoas como se lesse suas mentes,
ou tivesse tido um curso extensivo e intensivo sobre freudismo. Falava
gesticulando bastante e quando não gostava de algo gritava, gritava como quem
sentia dor pelas dores alheias, como quem chorasse lágrimas terceiras, como que
morresse ao ver a morte alheia.
Violet
olhava aquele homem com um ar interessado, ar curioso e distante, distante por
segurança, “quem é este homem?” ela se perguntava desde os quinze anos. Teve
aulas de sociologia com ele até os dezoito. Três anos de loucura. Ouviu falar
de culturas diversas. A Índia e a China estavam cada vez mais próximas, não se
apreciam com um vulto distante de culturas estranhas e assustadoras. Tomar
banho num rio cheio de mortos não era nojento, “é sim, mas, nojento de um jeito
lindo, curioso, cultural”, ela pensava – obrigando-me a corrigir o texto.
Pensou em
viajar, mas, não tinha tanto dinheiro como imaginava. Tentou guardar, mas,
mesmo trabalhando ganhava pouco. “Em nosso país o trabalho não é valorizado!”
dizia seu professor de sociologia, e Violet lembrava cada palavra dele. Até um
dia pensar que estava enlouquecendo, foi um fato curioso, pois, estava ela
sentada com sua família na mesa de jantar e seu pai lia o jornal. Violet olhou
para o lado, viu a mãe implorar a atenção do marido com os olhos, barulhos e
perguntas: “Amor quer comer arroz? Quer comer feijão? Amor quer comer Purê? As
comidas hoje estão especiais”, cada vez que ouvia um quer, Violet esperava, já com o rosto contraído, a mãe falar para
seu pai: “Amor quer fazer o favor de me comer?”.
- Pai, sabe qual o problema da nossa família? – Violet com
essa pergunta interrompeu o desespero de sua mãe e o barulho do seu pai
mastigando e instaurou um silêncio sepulcral.
- Qual Violet? – seu pai procurou saber o que a filha tinha
para falar, mas, com ar de quem não se importava (e não se importava mesmo).
- Todas as possibilidades de diálogo foram cortadas na
maternidade. Quer dizer, antes da maternidade. Você não queria ser pai, se
quisesse seria um bom pai. Você o seria se fosse pai de um menino, como eu
nasci mulher você me rejeitou e, rejeitou junto à possibilidade de “fazer” mais
meninas. Com o passar dos anos as coisas pioraram, meu corpo foi se
desenvolvendo, fui criando interesse pelo sexo oposto, e o sexo oposto criando
interesse em mim até que enfim nós criamos interesse pelo sexo mesmo. A
rejeição virou nojo. Você acha que eu nunca o percebi ouvindo por detrás da
porta? Você acha mesmo que eu faria algo “errado” em casa? Você acha que eu,
como posso dizer para ser menos chocante, me “tocaria” no meu quarto, com vocês
a passos de distancia? Nunca. Nossa família foi substituída por um organismo
que sobrevive no cotidiano. Não um cotidiano comum, necessário a vida em
sociedade, mas ao cotidiano ordinário, com isso quero dizer medíocre, pois, não
uso a palavra ordinário com o
significado de cotidiano, mas, de
medíocre e extremamente tedioso. Acordamos, tomamos café juntos, vamos fazer
nossas “obrigações sociais” depois voltamos para casa, jantamos juntos e nos
lançamos em nossos mundinhos diários. Sem conversa, sem nada de diferente,
apenas o ordinário, medíocre, tedioso
e ordenador cotidiano. Sabe, não quero ser aquilo que vocês querem de mim.
Nunca conversaram sobre isso, quero dizer conversar para dialogar, saber minha
posição quanto a tais escolhas e não conversar para convencer. Normalmente
vocês conversam para convencer, eu quero vencer sem ser coagida a isso. Quero
estudar música, pintura, sociologia, aprender sobre os outros, aprender sobre o
passado, sobre o universo, sobre como a Terra funciona, e sobre como nós
deixamos de funcionar na Terra. Quero aprender sobre as relações entre as
pessoas, sobre relacionamentos, sobre pessoas, sobre músculos – uso e desuso
deles, aprender sobre a voz e como melhor utilizá-la, aprender o melhor modo de
ajudar as pessoas, aprender sobre sexo, na prática! – Violet respirou
profundamente enquanto observava as reações dos seus pais: jornal amassado,
comida sobre a mesa, talheres ao chão, rostos “atabacados” e total descrença de
que tudo aquilo havia saído da boca da sua “linda filhinha”.
Após
segundos ou minutos de total silêncio e troca de olhares, o pai de Violet sai
da mesa lentamente com o rosto avermelhado. Sua mãe simplesmente ensaia verter uma
única lágrima sobre o rosto. Violet se levanta e sai. Vai ao quarto, liga o
computador, conversa com os amigos e conta as novidades daquela noite. Troca
alguns recados salientes com meninos bonitos e gostosos e vai dormir.
Violet
lembrava-se desse fatídico evento como se tivesse acontecido ontem, mas, não
foi. Hoje ela está com 25 anos e está bem mais velha. Ela não tinha aprendido
sobre tudo o que queria, conseguiu terminar o curso de “Estudos Sociais” que
englobava sociologia, antropologia, ciência política, educação e psicologia
social. Depois foi estudar fotografia, sem explicações para isso. Violet sempre
achou a fotografia interessante, deixar estático e ao mesmo tempo, contraditoriamente,
dinâmico algo da vida humana. Tudo isso mediado pela memória, pela
interpretação e pelo mercado. Ela não era uma exímia contestadora do
capitalismo. Discordava com muitas coisas, que não cabe listar aqui, mas
concordava com tantas outras. Uma das que concordava era a possibilidade de
fazer da arte fotográfica algo lucrativo. Lucrava e ganhava o mundo. Pessoas do
Japão poderiam conhecer sua arte, sem nem ao menos tê-la conhecido. Porém, ela
estava no começo da carreira e queria aprender mais. Aprendeu, também, mais
sobre música, músculos, voz, relações interpessoais, relacionamentos e tudo
isso a ajudou a aprender sobre sexo.
Violet
aprendeu sobre sexo muito bem, não de forma pornográfica, medíocre, suja, e
inescrupulosa. “Aprendi sobre o sexo fazendo-o, tendo experiências, testando. E
isso não me deixa constrangida ou suja ou inescrupulosa e nem permite me
chamarem de safada, ou fogosa. Sou apenas uma amante do sexo, e procuro sentir
prazer e proporcionar prazer. Não me vendo para proporcionar prazer e nem para
ter prazer. Não tenho nada contra isso, mas também não sou a favor. Amor o
sexo, não a nada melhor do que sentir prazer. Sabe, jantar sabendo que depois o
corpo irá queimar e derreter-se como brasa em neve é excitante. O olho no olho,
a promessa de uma noite de gozo e suor é delirante. É como tomar uma taça de
vinho sabendo que há uma adega esperando pelo momento de embriaguez. É esperar,
esperar, esperar a ideia chegar, escrever uma poesia e depois recitá-la e no
momento em que recita observa os olhares fascinados dos ouvintes. É como fazer
uma boa comida, pensar nos temperos, pensar em como cada segundo que o alimento
passa na boca a degustação passa informações diferentes ao cérebro, gera
prazer. O prazer gustativo é um prazer que antecede ao sexo. Como uma pré
preliminar. Repito, como tomar uma taça de vinho sabendo que há uma adega
esperando pelo momento de embriaguez”. Da última vez que proferiu tais palavras
roubou a admiração imediata e excitante do ouvinte, e ouviu que suas palavras
já soavam como poesia, e nomeou-o como “sensação da taça de vinho”.
Violet
sabia que sua experiência sexual não a deixaria na mão, literalmente. Mas,
lembrar tudo isso, fazer toda essa exegese era importante. Importante para
lembrar-se dos seus sonhos, suas vontades, sua história de vida e como isso a
havia levado até ali. E essa história também é interessante. Ali era a casa de
um homem que ela havia conhecido na noite anterior.
Violet
estava com um novo vestido vermelho. Ela gostava da cor, não usaria nunca
violeta, seria muito redundante. Ela não gostava de redundâncias. Era levemente
decotado e facilitava na sensualidade. Seu corpo era lindo, magro e não muito
volumoso, mas com curvas, com seios e um pouco de bunda, pouco. Seus lábios
tinham um peculiar tom rosado. Tão peculiar e tão rosado que Violet normalmente
não usava batons, preferia deixar sempre seus lábios umedecidos. Seu olho era
verde claro, mas, ela sabia usar o olhar para realçar a cor. O verde era claro,
mas invasivo, observador. Na noite anterior ela percebeu, logo ao entrar num
pub, um homem sentado estrategicamente numa das pontas do estabelecimento. O
observou por quase duas horas e após ter colhido informações suficientes e
lembrado de informações suficientes foi até a mesa onde estava o fotógrafo
reconhecido e puxou conversa.
André
mostrou-se desconsertado, mas soube desenrolar o momento. Beberam bastante, e
Violet estava com a “sensação da taça de vinho” na mente enquanto olhava para
André, esperou que ele falasse sobre o envolvimento com a modelo Anna em seu
belo ensaio fotográfico, esperou ele falar sobre o café, algo que se encaixava
perfeitamente com a “sensação da taça de vinho”. E ao fim da conversa, pediu “O
que você acha de tomarmos um café? Talvez você faça um pra mim?”.
Violet viu os fatos acontecendo
rapidamente, rememorando pensou: “Saíram do pub, foram em carros diferentes,
mas chegaram ao mesmo lugar. A casa/estúdio de André tinha um cheiro impregnado
de café, não saia, cheiro cremoso como o líquido e, quente, quente como o calor
de dois corpos suados em atrito constante durante uma noite fria e incomum”.
O fator gustativo do café mostrou
seu valor, não permitindo que nem Violet nem André terminassem a noite na mão.
O frio da noite facilitou à aproximação afim de calor, calor humano. A
embriaguez facilitou na decisão de André de tocar na cintura de Violet, um
toque preciso, na parte mais sensível da cintura dela. Arrastou os dedos pelas
costas, fazendo o caminho inverso da costura, chegando à alça, despiu-a. Parou
ali, olhando os seios de Violet, lindos. Formato, volume, cor, sinais, tudo
simetricamente preparado para excitar o paladar.
Violet viu a cena, levou seu seio
desnudo aos lábios de André. O tempo mudou a rotação, o que era devagar virou
rápido, extremamente rápido, insano e profundamente caótico. Logo a mesa não
iria aguentar o peso e os movimentos bruscos, caíram no chão. Mudaram de
posições, trocaram prazeres, faziam o que a embriaguez permitia. Sorte que a
“dose” de café foi generosa, Violet quase não estava sobre efeito alcoólico, a
adrenalina tomou conta do corpo, o prazer tomou conta do corpo. O suor
respingava no chão, as mãos suadas não se sustentavam paradas e escorregavam
frequentemente. Rapidamente estava na cama, rapidamente repetiam tudo, tudo.
Durante a madrugada, ainda acordados conversavam, a partir da conversa
testavam. Testavam-se, trocando experiências, prazeres, gostos, tons, fluidos e
cheiro. O atrito descamava a microscópica crosta de tecido morto da pele de
ambos, aonde se fixava o cheiro dos perfumes, logo o cheiro iria se impregnar
na cama, assim como os fios de cabelos negros de Violet no travesseiro.
Violet havia acordado, antes de
André. Vinte minutos suficientes para relembrar de tudo isso, o gosto de André
estava em seu lábio. A sensação de prazer em sua mente. Seu corpo coberto pelo
edredom conservava as memórias sensitivas, toques. Após lembrar-se da
adolescência, pensou em como cresceu e aprendeu. Agora poderia aproveitar e
aprender ainda mais, mas, agora com saberes para trocar. Mutuamente, poderia
juntar fotografia e sexo.
(Y. S. S.)