Ao entrar no recinto era fácil de sentir um cheiro de canela
e cravo da Índia. Era difícil de imaginar um cheiro daquele compondo a fragrância
do perfume de alguém, ficaria enjoativo e de dar dores de cabeça. O recinto era
uma cafeteria e o cheiro era do ambiente. A máquina de café expresso emitia um
som que tomava conta do local, mas as pessoas não se incomodavam, magicamente
uma cafeteria provocava o mesmo efeito de um bar. O café inebriava tanto quanto
o álcool e as pessoas danavam-se a conversar em tom alto e gesticular.
A arte de
gesticular enquanto fala só existe em pessoas que possuem uma necessidade
imensa de comunicação e expressão ou então em pessoas que de tão reprimidas –
seja pela sociedade ou por timidez – acabam sentido a necessidade de se mexer
para conseguir passar uma simples informação. O local estava cheio de
gesticuladores, por toda a parte, tudo era motivo para uma reles mexidinha na
mão.
Voltando
para o café, era uma sexta-feira como outras. Oito da noite e o fluxo de
pessoas começaram a aumentar. Algumas haviam chegado mais cedo, lido alguns
livros, averiguado atualizações nas redes sociais, tomado alguns cafés, se inebriado
pelo cheiro da cafeína e conversado. Alto, conversando muito alto.
Anna já não
aguentava mais o barulho. Imagine um local com cerca de 100 pessoas, sentadas
tomando café, mas conversando alto. Somado a isso ainda tem o barulho da
máquina de café expresso, uma não, três! Música ambiente, quase inaudível.
Anna não
gostava muito de sentar nas mesas, preferia ficar no balcão, havia um local ali
no café em que ela podia ver o ambiente num ângulo mais aberto. Dois anos atrás
ela nem imaginava o que era observar as pessoas e aprender coisas com isso,
porém, depois do seu affaire com André, ela tinha aprendido algumas coisas. Com
apenas dezenove anos, Anna sentia na pele o que era ser considerada nova
demais. Até porque ela mesma tinha essa impressão. De um ano para cá, pareceu
que tinha envelhecido cinco ou seis anos.
A porta do
café abriu-se e entrou uma mulher, usava uma calça comprida apertada,
salientando as curvas das pernas, uma bota para o frio que fazia naquela noite
e uma blusa vermelha, também apertada ao corpo. Seus seios eram menores que os
de Anna e, com certeza, não tão consagrados. Porém, tinha de destacá-los, por
isso o decote na blusa. Os cabelos eram castanhos, brincos em formato de
argola, olhos verde azulado, rosto fino e com uma expressão firme. Braços com
pele macia e uma bunda proeminente, nada exagerado, mas proeminente. O tom
claro de sua pele era atraente e tinha alguns sinais pelo corpo, poucos. Quando
tirou a expressão de busca do rosto era por ter achado onde Anna estava.
Caminhou todo o recinto, viu todos os homens virarem o rosto para olhá-la,
fingiu não saber, mas, sabia. Sabia e gostava, deliciava-se com a ideia de ser
desejada. O desejo, impulsionador, filósofos concordavam unânimes. O desejo.
Ao
encontrar Anna, não conseguiu esconder a excitação nos olhos. Quando foram se
cumprimentar sua mira era nos lábios da modelo, mas, desviou. Ainda não era
hora de demonstrar seus sentimentos, e daquele jeito só iria conseguir
irritação, desconforto e desconfiança da sua amada. Contentou-se em beijar sua bochecha,
abraça-la vagarosamente.
O corpo de
Anna era quente, com um calor reconfortante e morno, nada muito picante e
sensual. A sensualidade ficava com seu jeito de se expressar, de olhar, vestir,
portar. Logo começou a conversa
- Anna!! Saudade! Fazia tempo que não nos encontrávamos –
seu inglês era afrancesado e sabia que Anna demoraria em decifrar algumas
palavras – quando me ligou pela manhã, mal pude me conter, saí até mais cedo do
trabalho, como vão as coisas?
- Claire você sabe, viajando muito, a vida de modelo não é
nada fácil. Mas, são exatamente as viagens que dão o sabor do ofício. Conhecer
países e continentes, e pessoas, e lugares, e comidas e pessoas novamente. Como
você minha Aimée, como você está?
- Estou bem – dando uma risada de soslaio, Claire achava que
tinha se acostumado com a piada, seu nome era Claire Aimée, Aimée no francês
significava amada, e seus pais, como amavam bastante a filha que ia nascer
assim a nomeara, só não podiam imaginar que isso seria futuramente um motivo de
chacota – meu trabalho toma todo o meu tempo, e quase não tenho disposição para
sair, me arrumar e tal.
- Pára com isso menina! Onde está sua vitalidade, sensualidade,
e, porque não, virilidade? – Anna, tentava a todo o custo fazer com que a amiga
esquecesse o antigo namorado. Anna não sabia o nome dele, mas sabia que ele
tinha sido um cretino. Largar uma francesa linda como Claire, tinha que ser
burrice, estupidez e criancice das grandes. Ainda mais tendo sido uma traição –
Amiga, nesse café, nesse ínfimo café eu já vi quatro estonteantes homens, todos
te esperando. Sei disso, todos te olhavam enquanto você andava. Secando, fitando,
comendo com os olhos, principalmente depois de você dar as costas. – a risada
das duas quase ecoava, mas o barulho não permitiu.
- Esta bem, mas hoje não estou a fim, quero é conversar
contigo, tirar o atraso da nossa amizade – tirar o atraso do desejo de sentir o
cheiro de Anna, ver seu rosto alvo e macio. Aproveitar do momento de intimidade
que só amigas possuem, e às vezes até sentia-se como uma traidora, porque, Anna
não sabia dos sentimentos e olhares aguçados de Claire. Chegaram a trocar de
roupas juntas, Claire por pouco não lançou os lábios nos seios de Anna,
conteve-se e ficou apenas olhando. Traindo.
- Faremos o seguinte, tomaremos essa bebida brasileira,
doses homeopáticas, ficamos bêbadas, depois iremos ao quarto de hotel que estou
hospedada e amanhã será um dia de ressaca, sofá e filmes. O que acha? – Anna falava
com excitação e com saudade de fazer essas pequenas loucuras, pois, as maiores
ela não tinha mais fôlego. Seu fôlego foi interrompido pela longa jornada de
viagens necessárias para sustentar-se. O tempo que passaria com Claire iria
ocupar todo o tempo, no Domingo estaria voando para Bruxelas.
- Eu topo!!!!!! – A excitação de Claire batia taxas e taxas
de medida, se medir excitação fosse possível. Claire estava pronta para
conversarem toda a noite, beber aguardente e depois dormir com Anna, talvez
repetisse a dose da vez anterior. Três meses atrás as duas, depois de uma noitada,
dormiram juntas, na mesma cama. No meio da madrugada Anna encontrou-se na amiga
e dormiram juntas. Claire lembrava-se da conchinha como a sensação de cuidado
extremo, sentiu-se guardada, como quem esperasse a brisa da primavera para
poder voar, ou um leve frio de inverno indicando a hora de descansar.
Lembrava-se e traia, o pensamento de traição não fugia de sua mente. Mas, como
explicar para Anna? O que poderia falar? Poderia perder aquilo para sempre!
Sempre! Deixou as coisas andarem, sabe-se lá o que iam fazer depois de bêbadas,
o que iriam conversar depois de bêbadas.
...
Pela
madrugada Anna acordou e se espantou ao descobrir-se completamente nua, cabelos
soltos pelo travesseiro e a cabeça rodando. Estava com ressaca, mas sem peso.
Tem ressaca que causa um peso enorme no corpo da pessoa, mas, nessa madrugada
ela estava leve. Alguma coisa tinha acontecido. Olhou para o lado e num susto
viu Claire deitada, seios à amostra, cabelos também soltos pelo travesseiro e
também com um semblante leve. O que havia acontecido com ela, atingiu Claire
também. Atingiu?
Anna
desconfiou que na aguardente pudesse ter alguma droga, mas lembrou-se que era
fraca mesmo para a bebida brasileira e qualquer dose a deixava completamente
bêbada, perdendo a memória. Procurou sinais do que tinha acontecido no quarto,
levantou a cabeça com muita dificuldade, e o susto foi ainda maior.
Duas blusas
estavam ainda na porta do quarto, um pouco distante os sutiãs. Na cômoda ao
lado da parede de entrada os objetos estavam espalhados, encostavam-se à parede
e alguns estavam caídos. Um cinto, o dela, estava pendurado por pouco no abajur
e o de Claire estava esparramado no chão. Suas calças jeans estavam logo nos
pés da cama, mas as de Claire estavam no lado onde ela estava deitada. A calcinha
de Claire ainda estava entre o travesseiro e a cama e a sua calcinha estava
jogada perto do banheiro suíte. Pela disposição bastante comum das roupas só
havia uma resposta: Sexo!
A cabeça de
Anna já estava tonta, e agora uma dor de cabeça começou a se apresentar, tudo
aquilo era estranho e novo. O que havia acontecido? Tentou lembrar-se, nada
vinha. Estava angustiada, balançava a cabeça tentando negar o fato. Olhava para
os lados, para o teto, para dentro do banheiro. Lá, nenhum sinal de banho,
vômito, ou droga ingerida. Desistiu, abaixou a cabeça e pôs a mão direita na
testa, descansando do peço da consciência. Fechando os olhos, aplicando um
pouco mais de força, mas, nem conseguia se lembrar de nada, nem conseguia
acabar com a dor de cabeça que estava surgindo e aumentando. Quando reabriu os
olhos fitou a calcinha de Claire, teve um pensamento, mas tentou esquecê-lo.
Não conseguiu, pegou a calcinha e a trouxe lentamente ao rosto, sua mente
lutava para não concluir o ato, mas era impossível. O tempo parecia ter parado,
a dor de cabeça parou de alfinetar e as coisas tinham parado de rodar, finalmente
cheirou a calcinha.
O cheiro
era delicioso, um odor leve de algo inexplicavelmente gostoso. Não havia
sentido cheiro similar em perfumes, comidas, rosas, em nada. Era o cheiro de
hormônios. Para cheirar assim Claire deve ter sentido tesão durante a noite
antes de retirar a calcinha, suficiente para impregnar a roupa de desejo e fluido
tentador, cheiroso. Logo uma imagem veio na cabeça.
Cenas de
Claire tirando sua roupa; as duas conversando ainda no bar, já na quinta dose
de aguardente; cena das duas completamente nuas em pleno clímax; cenas das duas
pegando um táxi após sair do bar; as duas subindo o elevador e dando o primeiro
beijo; cena de Claire ainda no táxi falando ao seu ouvido; cena do fim da
transa, as duas caindo em seu lado na cama, abraçando-se e dormindo de conchinha;
cena ainda no táxi em que Anna se aproxima do ouvido de Claire, ambas bêbadas,
e dizendo: O que acha de sexo? Entre mulheres? Entre amigas? Entre desejos
escondidos e agora revelados?. Foi Anna quem tinha dado a cartada, a dor de
cabeça estava ainda mais forte, o rpm do quarto havia acelerado. Anna só
conseguiu deitar a cabeça sobre o travesseiro e, ainda com a calcinha de Claire
sobre o rosto, dormiu.
(Y.
S. S.)