quinta-feira, 26 de julho de 2012

Lembranças de Violet


             Violet estudou todo o ensino médio para ser médica, advogada, engenheira, dentista, enfermeira, ou qualquer coisa que fosse “bem quisto pela sociedade”. No meio do caminho houve um desvio. A culpa foi do seu professor de sociologia. Ele tinha um olhar voltado para o horizonte, mas, uma percepção vibrante do cotidiano, falava das pessoas como se lesse suas mentes, ou tivesse tido um curso extensivo e intensivo sobre freudismo. Falava gesticulando bastante e quando não gostava de algo gritava, gritava como quem sentia dor pelas dores alheias, como quem chorasse lágrimas terceiras, como que morresse ao ver a morte alheia.
            Violet olhava aquele homem com um ar interessado, ar curioso e distante, distante por segurança, “quem é este homem?” ela se perguntava desde os quinze anos. Teve aulas de sociologia com ele até os dezoito. Três anos de loucura. Ouviu falar de culturas diversas. A Índia e a China estavam cada vez mais próximas, não se apreciam com um vulto distante de culturas estranhas e assustadoras. Tomar banho num rio cheio de mortos não era nojento, “é sim, mas, nojento de um jeito lindo, curioso, cultural”, ela pensava – obrigando-me a corrigir o texto.
            Pensou em viajar, mas, não tinha tanto dinheiro como imaginava. Tentou guardar, mas, mesmo trabalhando ganhava pouco. “Em nosso país o trabalho não é valorizado!” dizia seu professor de sociologia, e Violet lembrava cada palavra dele. Até um dia pensar que estava enlouquecendo, foi um fato curioso, pois, estava ela sentada com sua família na mesa de jantar e seu pai lia o jornal. Violet olhou para o lado, viu a mãe implorar a atenção do marido com os olhos, barulhos e perguntas: “Amor quer comer arroz? Quer comer feijão? Amor quer comer Purê? As comidas hoje estão especiais”, cada vez que ouvia um quer, Violet esperava, já com o rosto contraído, a mãe falar para seu pai: “Amor quer fazer o favor de me comer?”.
- Pai, sabe qual o problema da nossa família? – Violet com essa pergunta interrompeu o desespero de sua mãe e o barulho do seu pai mastigando e instaurou um silêncio sepulcral.
- Qual Violet? – seu pai procurou saber o que a filha tinha para falar, mas, com ar de quem não se importava (e não se importava mesmo).
- Todas as possibilidades de diálogo foram cortadas na maternidade. Quer dizer, antes da maternidade. Você não queria ser pai, se quisesse seria um bom pai. Você o seria se fosse pai de um menino, como eu nasci mulher você me rejeitou e, rejeitou junto à possibilidade de “fazer” mais meninas. Com o passar dos anos as coisas pioraram, meu corpo foi se desenvolvendo, fui criando interesse pelo sexo oposto, e o sexo oposto criando interesse em mim até que enfim nós criamos interesse pelo sexo mesmo. A rejeição virou nojo. Você acha que eu nunca o percebi ouvindo por detrás da porta? Você acha mesmo que eu faria algo “errado” em casa? Você acha que eu, como posso dizer para ser menos chocante, me “tocaria” no meu quarto, com vocês a passos de distancia? Nunca. Nossa família foi substituída por um organismo que sobrevive no cotidiano. Não um cotidiano comum, necessário a vida em sociedade, mas ao cotidiano ordinário, com isso quero dizer medíocre, pois, não uso a palavra ordinário com o significado de cotidiano, mas, de medíocre e extremamente tedioso. Acordamos, tomamos café juntos, vamos fazer nossas “obrigações sociais” depois voltamos para casa, jantamos juntos e nos lançamos em nossos mundinhos diários. Sem conversa, sem nada de diferente, apenas o ordinário, medíocre, tedioso e ordenador cotidiano. Sabe, não quero ser aquilo que vocês querem de mim. Nunca conversaram sobre isso, quero dizer conversar para dialogar, saber minha posição quanto a tais escolhas e não conversar para convencer. Normalmente vocês conversam para convencer, eu quero vencer sem ser coagida a isso. Quero estudar música, pintura, sociologia, aprender sobre os outros, aprender sobre o passado, sobre o universo, sobre como a Terra funciona, e sobre como nós deixamos de funcionar na Terra. Quero aprender sobre as relações entre as pessoas, sobre relacionamentos, sobre pessoas, sobre músculos – uso e desuso deles, aprender sobre a voz e como melhor utilizá-la, aprender o melhor modo de ajudar as pessoas, aprender sobre sexo, na prática! – Violet respirou profundamente enquanto observava as reações dos seus pais: jornal amassado, comida sobre a mesa, talheres ao chão, rostos “atabacados” e total descrença de que tudo aquilo havia saído da boca da sua “linda filhinha”.
            Após segundos ou minutos de total silêncio e troca de olhares, o pai de Violet sai da mesa lentamente com o rosto avermelhado. Sua mãe simplesmente ensaia verter uma única lágrima sobre o rosto. Violet se levanta e sai. Vai ao quarto, liga o computador, conversa com os amigos e conta as novidades daquela noite. Troca alguns recados salientes com meninos bonitos e gostosos e vai dormir.
            Violet lembrava-se desse fatídico evento como se tivesse acontecido ontem, mas, não foi. Hoje ela está com 25 anos e está bem mais velha. Ela não tinha aprendido sobre tudo o que queria, conseguiu terminar o curso de “Estudos Sociais” que englobava sociologia, antropologia, ciência política, educação e psicologia social. Depois foi estudar fotografia, sem explicações para isso. Violet sempre achou a fotografia interessante, deixar estático e ao mesmo tempo, contraditoriamente, dinâmico algo da vida humana. Tudo isso mediado pela memória, pela interpretação e pelo mercado. Ela não era uma exímia contestadora do capitalismo. Discordava com muitas coisas, que não cabe listar aqui, mas concordava com tantas outras. Uma das que concordava era a possibilidade de fazer da arte fotográfica algo lucrativo. Lucrava e ganhava o mundo. Pessoas do Japão poderiam conhecer sua arte, sem nem ao menos tê-la conhecido. Porém, ela estava no começo da carreira e queria aprender mais. Aprendeu, também, mais sobre música, músculos, voz, relações interpessoais, relacionamentos e tudo isso a ajudou a aprender sobre sexo.
            Violet aprendeu sobre sexo muito bem, não de forma pornográfica, medíocre, suja, e inescrupulosa. “Aprendi sobre o sexo fazendo-o, tendo experiências, testando. E isso não me deixa constrangida ou suja ou inescrupulosa e nem permite me chamarem de safada, ou fogosa. Sou apenas uma amante do sexo, e procuro sentir prazer e proporcionar prazer. Não me vendo para proporcionar prazer e nem para ter prazer. Não tenho nada contra isso, mas também não sou a favor. Amor o sexo, não a nada melhor do que sentir prazer. Sabe, jantar sabendo que depois o corpo irá queimar e derreter-se como brasa em neve é excitante. O olho no olho, a promessa de uma noite de gozo e suor é delirante. É como tomar uma taça de vinho sabendo que há uma adega esperando pelo momento de embriaguez. É esperar, esperar, esperar a ideia chegar, escrever uma poesia e depois recitá-la e no momento em que recita observa os olhares fascinados dos ouvintes. É como fazer uma boa comida, pensar nos temperos, pensar em como cada segundo que o alimento passa na boca a degustação passa informações diferentes ao cérebro, gera prazer. O prazer gustativo é um prazer que antecede ao sexo. Como uma pré preliminar. Repito, como tomar uma taça de vinho sabendo que há uma adega esperando pelo momento de embriaguez”. Da última vez que proferiu tais palavras roubou a admiração imediata e excitante do ouvinte, e ouviu que suas palavras já soavam como poesia, e nomeou-o como “sensação da taça de vinho”.
            Violet sabia que sua experiência sexual não a deixaria na mão, literalmente. Mas, lembrar tudo isso, fazer toda essa exegese era importante. Importante para lembrar-se dos seus sonhos, suas vontades, sua história de vida e como isso a havia levado até ali. E essa história também é interessante. Ali era a casa de um homem que ela havia conhecido na noite anterior.
            Violet estava com um novo vestido vermelho. Ela gostava da cor, não usaria nunca violeta, seria muito redundante. Ela não gostava de redundâncias. Era levemente decotado e facilitava na sensualidade. Seu corpo era lindo, magro e não muito volumoso, mas com curvas, com seios e um pouco de bunda, pouco. Seus lábios tinham um peculiar tom rosado. Tão peculiar e tão rosado que Violet normalmente não usava batons, preferia deixar sempre seus lábios umedecidos. Seu olho era verde claro, mas, ela sabia usar o olhar para realçar a cor. O verde era claro, mas invasivo, observador. Na noite anterior ela percebeu, logo ao entrar num pub, um homem sentado estrategicamente numa das pontas do estabelecimento. O observou por quase duas horas e após ter colhido informações suficientes e lembrado de informações suficientes foi até a mesa onde estava o fotógrafo reconhecido e puxou conversa.
            André mostrou-se desconsertado, mas soube desenrolar o momento. Beberam bastante, e Violet estava com a “sensação da taça de vinho” na mente enquanto olhava para André, esperou que ele falasse sobre o envolvimento com a modelo Anna em seu belo ensaio fotográfico, esperou ele falar sobre o café, algo que se encaixava perfeitamente com a “sensação da taça de vinho”. E ao fim da conversa, pediu “O que você acha de tomarmos um café? Talvez você faça um pra mim?”.
Violet viu os fatos acontecendo rapidamente, rememorando pensou: “Saíram do pub, foram em carros diferentes, mas chegaram ao mesmo lugar. A casa/estúdio de André tinha um cheiro impregnado de café, não saia, cheiro cremoso como o líquido e, quente, quente como o calor de dois corpos suados em atrito constante durante uma noite fria e incomum”.
O fator gustativo do café mostrou seu valor, não permitindo que nem Violet nem André terminassem a noite na mão. O frio da noite facilitou à aproximação afim de calor, calor humano. A embriaguez facilitou na decisão de André de tocar na cintura de Violet, um toque preciso, na parte mais sensível da cintura dela. Arrastou os dedos pelas costas, fazendo o caminho inverso da costura, chegando à alça, despiu-a. Parou ali, olhando os seios de Violet, lindos. Formato, volume, cor, sinais, tudo simetricamente preparado para excitar o paladar.
Violet viu a cena, levou seu seio desnudo aos lábios de André. O tempo mudou a rotação, o que era devagar virou rápido, extremamente rápido, insano e profundamente caótico. Logo a mesa não iria aguentar o peso e os movimentos bruscos, caíram no chão. Mudaram de posições, trocaram prazeres, faziam o que a embriaguez permitia. Sorte que a “dose” de café foi generosa, Violet quase não estava sobre efeito alcoólico, a adrenalina tomou conta do corpo, o prazer tomou conta do corpo. O suor respingava no chão, as mãos suadas não se sustentavam paradas e escorregavam frequentemente. Rapidamente estava na cama, rapidamente repetiam tudo, tudo. Durante a madrugada, ainda acordados conversavam, a partir da conversa testavam. Testavam-se, trocando experiências, prazeres, gostos, tons, fluidos e cheiro. O atrito descamava a microscópica crosta de tecido morto da pele de ambos, aonde se fixava o cheiro dos perfumes, logo o cheiro iria se impregnar na cama, assim como os fios de cabelos negros de Violet no travesseiro.
Violet havia acordado, antes de André. Vinte minutos suficientes para relembrar de tudo isso, o gosto de André estava em seu lábio. A sensação de prazer em sua mente. Seu corpo coberto pelo edredom conservava as memórias sensitivas, toques. Após lembrar-se da adolescência, pensou em como cresceu e aprendeu. Agora poderia aproveitar e aprender ainda mais, mas, agora com saberes para trocar. Mutuamente, poderia juntar fotografia e sexo.

(Y. S. S.)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Violeta com vermelho e lábios rosados:


André pegava-se refletindo em como nunca esquecia nada. Ao entrar numa sala, seus sentidos gravavam o cheiro, a cor, a luz, a disposição dos móveis, dos quadros, o modo como alguém se sentava, cruzava as pernas – inclusive a quantidade de vezes –, a música que estava tocando no local e, principalmente, o que lhe falavam, detalhe por detalhe – até mesmo a entonação.
As lembranças do amor revoltoso e caótico que teve com Anna há um ano ainda rodavam sua mente. Lembrava ensaio fotográfico que vez com ela – a primeira vez que ela tinha posado nua – o café preparado a fim de conter o frio do inverno, as luzes, os tons multicoloridos daquele dia ainda clareavam sua mente. De forma persistente André pensava se aquilo era um tipo de benção ou de maldição: lembrar tudo, lembrar tudo, benção ou maldição? Pensar assim é maniqueísta demais, vamos deixar para lá.
Mas, hoje foi um dia atípico para ele, após ter trabalhado bastante com um book de uma modelo emergente, ele resolveu parar no pub da esquina e passar o tempo. O cheiro do cigarro, de cerveja, de suor misturado com perfume, com o tom acinzentado do ambiente, tudo estava sendo gravado em sua memória, tudo. Sentou-se numa mesa na esquina do pub, lugar estratégico que gostava de ficar, era isolado e ninguém ia lá, porém, de lá se observava todo o pub.
Às vezes André procurou encontrar ali uma mulher estonteantemente bela, queria mostrá-la ao mundo, mas ela nunca apareceu e André continuava esperando, esperando. Sentiu um perfume se aproximando e tirou os olhos da câmera fotográfica, era uma mulher, era mulher apesar de não ser estonteantemente bela, mas, bonita sim. Com um perfume leve, mas, perceptível na distancia. Um vestido vermelho, não muito chamativo, com um decote nos seios, e longo. André mal terminou de observar aquela mulher e ela já começou falando:

- Você é o André, não é? Aquele fotógrafo que percorreu o mundo lançando seu álbum fotográfico com aquela modelo, Anna? – ela parecia estar bastante interessada em alguma coisa, mas André já estava acostumado com jornalistas disfarçadas de belas e atraentes mulheres.
- Sou eu sim, como você se chama, quer um autógrafo? – ele já estava pegando a caneta do bolso da camisa quanto sentiu as mãos macias da mulher impedindo a finalização do gesto, mãos suaves, movimentos suaves, suaves, mas, incisivos, com vontade.
- Não André, eu quero só conversar, um cara famoso como você achou mesmo que ia ficar anônimo toda à noite? Tenho te observado durante duas horas, você olhou para muitas pessoas, bebeu alguns chopes, olhou para mais pessoas, olhou para sua câmera, tirou algumas fotos, provavelmente brincando com a pouca luz do ambiente e as cores fortes das roupas das pessoas, porém, esqueceu-se de reparar em quem lhe reparava – a mulher havia lembrado os movimentos de André durante duas horas seguidas, o olhou bastante, talvez tenha fitado um pouco e ele não percebeu.
- Bem, - ainda desconsertado tentou responder – bem, você ainda não disse seu nome – agora ele achou que pegou ela de jeito, André conhecia bem os nomes das jornalistas de rádio, TV e revistas, tinha um informante que lhe passava os nomes e é claro não esquecia nenhum.
- Sou Violet, mas prefiro o vermelho – Violet sempre brincava com seu nome, claro, violeta em francês como no inglês e para o italiano mudava um pouco, porém muito parecido: viola. Riu com André sobre a brincadeira, mas logo voltou ao assunto – sabe, acho que você sofre do mesmo mal que eu, você gosta de observar pessoas, e talvez também tenha uma boa memória, e se utiliza disso para fotografia, estou certa?
- Está sim Violet, que por sinal é um bonito nome, pronunciado em Francês é belo (violé), tem uma sensualidade na pronuncia, que se parece com você, e o vestido vermelho ajuda, bela junção de cores – André não estava muito certo se Violet não seria uma jornalista, mas deixou de lado esse ponto, a conversa talvez se tornasse interessante, decidiu deixar Violet ditar o tom das coisas, o futuro sempre é incerto.
- Responde minha pergunta rapaz, mude de assunto não, deixe de ficar só olhando, cheirando e memorizando, responde, deixe a voz escapar, suas qualidades se mostrarem como fez com a Anna – Violet chegou ao assunto que queria, realmente, ela queria saber da história de André com Anna, durante toda a turnê de autógrafos esse foi um grande mistério, até porque, o ensaio fotográfico tinha muita sensualidade, despertando o desejo de qualquer pessoa, as cores, o tom da pele de Anna, e o famoso rosado dos seios sempre chamavam atenção, sempre – eu sei que deve ser difícil esquecer aquele perfeito tom rosado nos seios, não é?
- Agora você está querendo saber demais Violet, realmente, eu sofro do mesmo “problema” que você eu lembro tudo, cheiro, cor, tempo, espaço, sensação, emoção, traços do rosto, tudo, nos mínimos detalhes e utilizo isso sim para a fotografia. Não é crime usar as qualidades para um bom trabalho, não leso ninguém com isso. Mas, você, com certeza, esta querendo saber demais. Está querendo ter informações minhas sem falar nada de você, vamos deixar isso mais agradável, você compartilha comigo de um chope e conversamos melhor, o que acha?
- Sem problema – Violet foi até o balcão do pub e pediu dois chopes, deixando André mais impressionado, ela tinha o tom da pele macio, as mãos macias, usava um decote no vestido muito discreto, o tom do vermelho não era chamativo, tinha um nome sensual, mas não invasivo, porém, era uma mulher decidida. André estava gostando do desenrolar das coisas.

Conversaram bastante e a noite voou, Violet falou que estudava fotografia havia dois anos, a no segundo ano da faculdade se deparou com o trabalho de André, os Tons Multicoloridos, título do álbum lançado tendo Anna como modelo, foi aplaudido pela crítica. André havia inovado ao usar o efeito do arco-íris com cristal e produzir cores em estúdio, era inovador, diferente ousado. Mas, Violet e André sabiam que a história com Anna foi muito mal contada para os jornais, revistas e afins. André prometeu a Anna que não contaria nada, e Anna permaneceu com a boca fechada, até porque toda a história foi como um boom de publicidade para ela, e sua carreira como modelo havia deslanchado de vez. Mas, nessa altura a história já havia sido esquecida, mas, Violet apareceu para lembrar algumas coisas.
Eles conversaram sobre suas memórias, sobre como era estranho lembrar o que todos esqueciam, o que ninguém se importava em registrar ou não conseguiam. Era difícil, difícil saber o motivo exato para uma discussão, ou saber a palavra certa para levar alguém para cama. Saber como convencer alguém, saber como as pessoas preferiam as coisas, e impressioná-la, era uma vantagem em determinadas situações. Mas, como sempre, saber o motivo de uma briga, de uma discussão, saber o motivo pelo qual uma pessoa fez determinada coisa era complicado. André e Violet passaram horas falando sobre isso e Violet contou alguns pontos de sua vida, a saída de sua cidade natal para fazer faculdade, o termino de um namoro antigo, briga com alguns parentes e o modo com que fazia novos amigos. Tudo parecia ser feito mediante o registro que ela tinha de tudo.
Eles se falaram mais algumas horas, muitas horas, até Violet voltar ao assunto, e depois de muitos chopes bebidos e de horas de conversa agradável André soltou o verbo:
- Violet, você acha mesmo que naquele clima frio, depois daquele excitante e cansativo ensaio fotográfico, após horas de interação entre eu e Anna, após eu estar em extremo deleite com o tom rosado dos seios dela, do azul dos olhos, e com as curvas eu não iria apresenta-la ao meu café irresistível? Com certeza, eu sabia que era uma tática que não falhava.
- Tática que não falha? – Violet e André sorriam com o tom que Violet perguntou isso - Você com certeza já testou muito esse café?
- Nãããão, não, muito não, mas já havia testado sim – o ar engraçado da conversa não suprimia a brisa de flerte, de sorriso leve nos lábios, lábios, sim, os da Violet tinha um tom rosado, o mesmo dos seios de Anna. André reparava isso, cada vez mais e sabia que Violet já havia percebido.
- Tudo bem, você está me dizendo que realmente deitou com Anna, tiveram uma atração, uma noite de amor belíssima, mas, o que você não disso foi o que aconteceu depois – Violet estava interessada na história e no café, claro.
- Na manhã seguinte eu acordei antes que ela, gastamos muita energia durante a noite, na verdade quase não dormimos, foi algo especial, a pele da Anna cheirava a alguma flor, eu já havia sentido o cheiro, mas não perguntei o nome da flor, se houvesse perguntado eu saberia. Bem, tomamos café e eu passei a preparar o book, nos enclausuramos no meu estúdio/casa por uma semana, uma interminável semana de nudez, risadas e fotos. Inesquecível, belo, porém trágico. Não, trágico não. Um pouco triste, pois, sabíamos que a história não duraria muito. Eu sempre fui incorrigível, não ia conseguir me prender a ela por muito tempo. Nem ela se prenderia a mim, não havia promessas entre nós, e ela tinha que seguir sua vida.
- História interessante – Violet olhava atentamente o modo como André contava algo, o modo como seus olhos falavam: estou puxando algo da memória e lembro mais do que estou falando. Violet queria saber os detalhes, mas não ouvindo, vivendo. Depois de tanta conversa e tantos chopes, depois de tantos olhares dele para ela, ela sabia que ele estava interessado nela, em seus lábios rosados. Violet queria tomar aquele café – O que você acha de tomarmos um café? Talvez você faça um pra mim?
- Claro – Violet deixou André desconsertado novamente, ela era uma mulher decidida, mas bela, sensual e atraente. André estava enfeitiçado. Não, não estava. Estava excitado pela situação, diferente, deliciosa, cheirosa e com tons de café, vermelho, rosa e violeta.
Saíram do pub, foram em carros diferentes, mas chegaram ao mesmo lugar. A casa/estúdio de André tinha um cheiro impregnado de café, não saia, cheiro cremoso como o líquido e, quente, quente como o calor de dois corpos suados em atrito constante durante uma noite fria e incomum.

(Y.S.S.)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tons Multicoloridos


- Eu acho que assim está melhor – falou André ao ajeitar a mecha de cabelo da modelo – é só você colocar o rosto um pouco mais para a esquerda que o click ficará perfeito!
Era uma tarde qualquer e nevava bastante. O estúdio de André era grande, fazia parte de um dos quartos do seu apartamento. As janelas eram enormes, cobrindo toda a extensão da parede. A rua, a neve caindo, as luzes translúcidas por conta do inverno, tudo parecia maior, mais bonito, mais mágico.
Mágico era o momento. André deliciava-se com a profissão de fotógrafo. André havia lutado muito para chegar onde estava, começou como ajudante de um fotógrafo e foi aprendendo a manusear a câmera. No início era complicado aprender a ver as luzes. A luz é algo encantador, mas, manuseá-la é complicado. André preferia fotos coloridas, com muita vida, cores quentes, porém, odiava a tal da pós-produção. Fazia de tudo para as fotos saíssem perfeitas no momento do click e, pronto!
O pensamento voava longe, ele manuseava a máquina, controlava o ISO, a velocidade do obturador, a abertura do diafragma, equilíbrio do branco. A iluminação em cima da modelo já estava perfeita. André passeava pelo seu trabalho, até a modelo interromper:
- André, e aí? Não ouvi você tirando nenhuma foto desde que ajeitou meu cabelo, isso faz quase dez minutos! – Anna falou um tanto irritada, permitindo que André percebesse o tom de sua voz, um descuido – Sabe, tenho coisas para fazer ainda hoje, e você não me pagou adiantado.
- Anna, pelo seu tom, você está de TPM, a culpa não é minha, e o seu dinheiro está guardado – André desarmou Anna, revelou sua TPM e falou do pagamento, agora a modelo ia esperar os clicks e André faria seu trabalho em paz.
Anna era jovem, tinha dezenove anos e pretendia subir na carreira, precisava ajudar sua família, moravam no subúrbio. Desde pequena era muito bonita e chamava a atenção por onde passava. Logo aos quinze anos foi convidada para participar de algumas propagandas de produtos pequenos. Perfumes, loções para banho, hidratantes. Fez fotos no parque, praças, teatros, e no chuveiro. Nunca quis posar nua. Aos dezoito anos Anna montou uma teoria: o subúrbio era o lugar de mulheres bonitas, majestosas, lindas e com sex appeal. Aos dezenove, sabia que tinha que deslanchar como modelo, e soube do trabalho de André. Ele era um fotógrafo renomado, tinha batalhado muito para chegar onde estava, e tinha apenas trinta anos.
Era final do ano e a neve caía intensa. Logo chegaria o natal e Anna teria que gastar muito ajudando na festa da família. Ela inda não havia conseguido juntar o dinheiro que queria para viajar para a França, queria poder viajar um pouco, visitar alguns países e conhecer pessoas diferentes. Olhou para André, depois de algumas fotos e perguntou:
- Quando você pretende terminar isso? O frio está aumentando, e eu estou sem roupa! – Isso mesmo, Anna decidiu confiar no projeto de André, fotos de nudez. Não eram fotos normais. André não estava preocupado com “as partes”, muito menos uma modelo contorcionista – Sabe, desculpa por reclamar tanto, você sabe é a TPM. Queria dizer que gostei da sua ideia de trabalhar com nudez e perspectiva de espelhos e uso de cristais para criar arco-íris verdadeiros, sem precisar de uso de computadores. Até então nunca tinha posado nua.
- Percebi pelo seu nervosismo quando lhe expliquei a ideia, mas, eu também não queria modelos experientes com fotos de nudez. Estou tentando capturar suas expressões desconfortáveis com a sensação, ocorrência inicial, depois o costume vai deixando as preocupações de lado, e aí as cores aparecem. De uns tempos para cá venho querendo identificar as expressões corporais como cores misturadas, formando intensos compostos de tonalidades e sentidos, sentimentos – André explica sua teoria e percebe o rosto interessado de Anna.
- Então o cristal por onde passa esse simples lampejo é uma metáfora para o costume adquirido? A partir daí as coisas podem se soltar e criar cores, múltiplas cores a depender do dia, da hora, do momento, do sentimento – Anna estava com o rosto enrugado, estava pensando, percebeu que André aproveitou o momento para fazer alguns clicks – Ei! Eu fico feia quando estou pensando!
- (risos) não fica não, seu rosto tem traços que lembra o vermelho, um vermelho no tom certo, aquele que desperta a paixão, mas, sem ser forte e nem chegado à rosa. E seus olhos azuis, grandes olhos intensamente azuis, dão o contraste – André falou sem pensar, não queria aparentar um sedutor qualquer, o elogio escapou de sua boca.
- Obrigado – Anna respondeu embaraçada e envergonhada, não estava acostumada com elogios, André continuou com os clicks – Agora devo ter ficado mais vermelha e você aproveitou.
Os dois sorriram bastante e conversaram. Quanto mais a conversa fluía, mais André via Anna como um belo arco-íris, dos que merecem ser guardados. As fotos estavam fazendo seu papel, registrando a beleza. Nas fotos Anna aparecia com suas expressões e na medida em que André mudava de posição para fazer os clicks a luz do arco-íris projetada pelo cristal modificava as tonalidade. As fotos estavam ficando perfeitas.
André decidiu dar alguns zooms nos seios de Anna, eles eram médios em formato de gota, mamilos rosados e com a pele clara. André gostou do tom rosado, escolheu uma posição em que o arco-íris do cristal permitisse um tom que destacasse os mamilos. Anna era clara, não muito branca, nem puxando para um tom amarelado, era clara. André soube aproveitar muito bem o tom de pele da Anna, quando tirou algumas fotos com a janela e todo o nevoeiro por trás de Anna.
A conversa estava ficando mais agradável com o tempo. O ensaio terminou e Anna foi se vestir e percebeu que suas roupas não dariam conta daquele frio lá fora, mas ela tinha que sair o quanto antes. André ofereceu um café quente. Era sua especialidade, ele sabia a temperatura certa da água, a quantidade certa de pó de café, o pó mais saboroso. Enfim, o café saiu cremoso e saboroso como sempre. Anna esquentou-se um pouco mais com o café, eles conversaram mais um pouco e André decidiu mostrar as fotos que tirou de Anna.
Era estranho, pois Anna nunca tinha se visto daquele jeito, parecia que sua beleza tinha se multiplicado. Suas pernas estavam com tons que ela nunca tinha visto, suas curvas eram avermelhadas e sensuais. Seu rosto estava com contrastes belíssimos, e seus olhos realmente faziam a diferença. Até que chegou ao crime, seus seios estavam em destaque, ficou extremamente envergonhada, pois, André estava ao seu lado. Olhou para ele, mas os olhos de André estavam vidrados na fotografia e parecia apreciar atentamente os detalhes. Ela já desconfiava, era aquele tom rosado, era um tom diferente, sedutor, que de tão suave era capaz de inflamar desejos quentes. A cozinha do estúdio parecia multicolorida, André e Anna estavam esbanjando sensações.
- Seu olhar é impressionante! – disse Anna ouvindo André responder: seu corpo é multicolorido.
Anna não voltou para casa, a neve não iria deixar de qualquer jeito. Os dois, naquele estúdio, alí no chão mesmo, transformaram em cores o que através da janela era o branco da neve.

(Y.S.S)