quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Lembrança de André


Giovanni era um homem que não aparentava seus cinquenta anos. Não pelo fato de querer ser eternamente jovem, mas, ele simplesmente era. Comerciante de sucesso seguiu os negócios da família, e com uma visão enorme de mercado percebeu que não adiantava apenas exportar café do Brasil, mas, tinha de abrir cafeterias e multiplicar os lucros da empresa.
            Giovanni adentrava aos corredores de sua casa e as fotos se espalhavam pela parede e cômodos, fotos do início do século XX, fotos de família. Seu pai era italiano e havia imigrado para o Brasil junto com sua esposa, que esperava um filho, e sua irmã. Logo que chegou trabalhou num cafezal, mas, demonstrou para seus patrões a habilidade para os negócios. Habilidades valorizadas pelos patrões, uma prática incomum é claro.
            Na próxima, Giovanni criança, um menino extrovertido, sempre com muita energia e inteligente. Foto colorizada, num tom azulado. Seu pai já estava trabalhando como vendedor para o patrão e fazia muito dinheiro. Na próxima foto, Giovanni já era adolescente e estudava no Colégio Pedro II, preparava-se para seguir a profissão do pai, venderia café. Ele adorava o cheiro do café, a forma com que era produzido e o quanto ele era lucrativo no mercado, apesar da crise que deu no governo daquele Gaúcho.
            A foto que estava em cima da cômoda no corredor era uma em que Giovanni estava ao lado da ex-esposa e do seu filho André. A maioria das fotos era sobre seu filho. Admirava bastante o modo com que André o havia enfrentado anos atrás, o modo como o filho desistiu de seguir a carreira de comerciante e se enveredou pela fotografia. A fotografia, Giovanni também a admirava muito, mas não entendia como ela podia ser lucrativa e seu filho o mostrou como. André era um fotógrafo de sucesso, conhecido internacionalmente, e a formação que seu pai pode pagar também foi a melhor. Giovanni pagou para o seu filho as melhores faculdades de administração e economia, e André cursou as duas até o último período, mas, sua obsessão por fotografia o levou a largar todos os cursos que o pai lhe “empurrava”. Giovanni brigou com seu filho. Foi uma briga feia, proibiu André de voltar para casa, “aprisionou” seu filho na Europa sem dinheiro, sem nada, apenas o apartamento espaçoso com móveis de madeiras nobres e, muitas, muitas câmeras.
            A primeira foto com que seu filho ganhou um prêmio internacional de fotografia estava na parede da sala. Ele a colocou lá para aprender a não subestimar as pessoas, principalmente seu filho. Pois, era um menino que tinha garra e força de vontade, bastante inteligente e determinado a conseguir o que queria na profissão que escolhesse. A foto simbolizava isso, a vitória do seu filho apesar das adversidades, Giovanni o havia deixado sem dinheiro, sem mesada, e o filho conseguiu trabalhar, estudar, formou-se em fotografia, artes e era reconhecido pelo seu talento.
            É claro, André agora continuou vivendo a vida boêmia e galante de quando era jovem. Era voto vencido. André sempre saia com suas modelos, Giovanni desconfiava disso. Até ler em jornais todo o burburinho sobre o ensaio nu que André fez tendo Anna como modelo. Giovanni já estava sentado na poltrona esperando seu filho, era uma daquelas visitas rápidas. Muito rápidas.

...

            André ainda tinha a chave de sua velha casa, entrou pela porta principal e via as fotos da família. Viu passado remoto do seu avô, chegando num navio, foto em preto e branco, já amarelada. André não conheceu o avô, sabia apenas que ele era um homem austero e resoluto, italiano de fibra. Na cômoda no corredor, mais alguma fotos. André pôde ver seu pai ainda menino, brincando no cafezal, apreciando o cheiro do café.
            Noutra foto, estava seu pai e sua mãe, brasileira e mulata. André sempre achou que herdou dos genes da mãe essa sua forma de atrair as pessoas, principalmente belas modelos europeias. André tinha a pele um pouco escura, nada que o declarasse como moreno, mas, não era brando e nem amarelado. Tinha lábios mais carnudos e um rosto sisudo, tinha olhos vibrantes e azuis. André herdou os olhos, a estrutura corporal e os cabelos do pai, mas tinha a cor e os lábios da mãe. Sua mãe morrera no parto. Aparentemente André sofre por não tê-la conhecido. Passou bom tempo ouvindo falarem bem dela, pessoa amável, carinhosa, e que iria amar muito o filho. André teve carência com o amor.
            Noutra foto, era uma foto que ele havia tirado quando criança, dos pés do pai. Olhava para seu pai com um tom estranho, a foto representava muito. Passou boa parte da vida sem conseguir encarar os olhos do pai. Não era para menos, Giovanni herdou o jeito austero e resoluto do pai. André teve muitos problemas com o pai. Porém, sabia que se hoje era viciado em café e sabia fazer um dos mais gostosos do mundo, foi por conta de Giovanni. Seu pai, o ensinou a fazer um café bastante cremoso, cheiroso e extremamente saboroso. Giovanni tinha deixado de mandar dinheiro para o filho, mas, todo o mês na caixa de correios de André sempre constava dois pacotes de café do melhor grão que sei pai produzia.
            A outra foto André reconheceu, foi a que ele ganhou o primeiro prêmio internacional de fotografia. Linda. Linda. Desviou o olhar, e lá estava seu pai sentado na poltrona.
- Quanto tempo meu filho, ainda bem que o voo chegou cedo – Giovanni ainda molhava os olhos quando via seu filho depois de tanto tempo, era normal, passaram por muitas coisas, era difícil não se emocionar com o filho bem sucedido e inteligente.
- Foi cansativa a viagem, muita gente, mulheres com medo, homens com medo, crianças adorando, o de sempre – André, estava ali para uma visita rápida, foi contratado para tirar umas fotos de modelos na semana de moda de São Paulo – Pai, têm café?
- Isso é pergunta rapaz! – ambos riram alto, André costumava pregar essas peças desde moleque. Giovanni já estava acostumado.
- Sabe pai, está na hora do senhor saí dessa poltrona, desde muito novo o senhor não viaja pelo mundo, não conhece ninguém, prefere pagar um funcionário para ir à Europa do que ir o senhor mesmo. Isso não é justo, você não está sendo justo com você mesmo! – André, tinha ido ver o pai, mas, dessa vez estava um pouco mais decidido. Tinha de falar coisas ainda não faladas, desbravar oportunidades e diálogos, estava acostumado, pois, era sempre ele quem iniciava esse tipo de conversa.
- Lá vem você, lá vem você, menino. Sabe que sou assim desde a morte de sua mãe.
- Mas, pai, o senhor tem cinquenta anos, está em boa forma, é muito mais bem sucedido que eu e tem uma marca reconhecida internacionalmente. Porque não sai por aí, conhecendo novas pessoas, novas mulheres, quem sabe não pinta um casamento?
- Você também tem uma marca reconhecida internacionalmente, principalmente pelas modelos, mas não pintou ainda nenhum casamento, você só quer saber de fazer a propaganda da marca e esperar o feedback – O tom sarcástico e safado da fala de Giovanni fez seu filho dar uma risada gostosa, risada de filho, boa de ouvir – Vai dizer que os jornais estão errados sobre essa tal de Anna?
- Parece que tudo agora é essa mulher. Nunca vi, mulheres me conhecem e perguntam logo pela Anna. “Você teve mesmo um caso com ela? Ela era assim mesmo tão atraente? A cor dos seios era rosada assim naturalmente?” já estou cansado disso. Realmente, pai, eu tive um caso com ela, mas nada duradouro, ambos sabíamos que aquilo não daria certo, espero que agora ela esteja em outra – Mal sabia André que era noutra literalmente. 
- Filho, entenda que essa sua vida de “pegador” não dá para mim, boêmia nunca combinou comigo.
- Realmente, vovô lhe treinou para o trabalho, para o trabalho. E as mulheres, e sua vida? Sua vida? Ela não importa?
- Importa sim, só que não me acho pronto para isso ainda – Giovanni já esperava seu filho falar “E esse pronto será quando? Aos 90 anos?”, mas André não falou nada, apenas ficou olhando alguns segundos e correu para a cozinha, ia fazer café.

            O cheiro tomava conta da casa. Era uma casa modesta, uma casa de negócios. Giovanni passava a maior parte de sua vida lá, por isso as fotos da família ficavam ali. A casa “de verdade” deles ficava longe e era enorme. André não ia lá havia anos, e não seria dessa vez que conseguiria ir. Giovanni esperava na poltrona o filho voltar com o café, enquanto isso pensava na proposta do filho, sabia que ele estava certo. Giovanni era muito novo, física e mentalmente. Poderia ter uma vida novamente.
            André estava na cozinha, e esboçou uma lágrima ao ver um grande quadro da mãe que ele não conheceu. A lágrima era por saber que sem ela seu pai havia se tornado amargo. A vida parecia sem cor para o pai, nada parecia está bom o bastante. André teve que lutar muito para sair daquele furacão de frustações. O café estava quase pronto, já estava na hora de voltar a conversar com seu pai. Tinha de contar sobre Violet, a linda e inesquecível Violet.

(Y. S. S.)

4 comentários:

  1. História ótima!! Só acho que você deveria explorar mais as curiosidades de André a respeito da sua mãe. Porque, penso, que a forma com a qual André lida com os relacionamentos amorosos tem uma sintonia psicológica muito forte com a carência de mãe.
    Beijos e esperando o próxima história.

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    1. O caminho de André é por aí, mais coisas serão postas futuramente a respeito do passado de André. Sobre a mãe dele e suas curiosidades, acho que vai parar por aí mesmo, o foco vai mais para a relação dele com o pai etc. A carência já está posta, a parada é perceber o que foi feito ao longo dos anos de André acerca dessa carência, é o que tenho pensado. Adorei o Comentário! Thank's!

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  2. Muito bom Preto,

    Este texto é um prato cheio para os psicanalistas de plantão! Pois, a relação entre ele e o pai, as lembranças imaginada da mãe que não conheceu, fazem desta história, um conto cheio de sensibilidade e conflitos (não ditos e inconscientes), numa narrativa leve, que remete inevitavelmente às relações parentais(pai e mãe) e suas consequencias na vida de André, Como o fato de não se apegar verdadeiramente a Anna, embora explicite sempre o desejo e adimiração por ela (texto anterior). E uma certa distancia entre ele e o pai. Talvez por isso, Day tenha sentido falta da busca pelo conhecimento da mãe, mas vamos esperar o próximo capítulo, já estou anciosa para ver onde isso tudo vai dar! Bjs, parabéns

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    1. kkkkkkkkkkkkk, Próximo capítulo foi ótimo Déa. Feliz por finalmente aparecer teu comentário, sempre ajuda bastaaaante! Realmente,espero que os psicanalistas de plantão conheçam os textos, gostaria muito!. Obrigadooo!!!

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