quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Tons multicoloridos - Violet II


Violet estava com a câmera na mão. Ajeitava algumas configurações básicas enquanto falava um pouco com suas modelos a fim de deixá-las confortáveis. Violet não sabia do envolvimento de Claire e Anna, sabia apenas o que André havia dito: “São amigas de longas datas, íntimas mesmo, vão ficar bastante confortáveis”. Mesmo assim Violet estava nervosa. Era a primeira vez que ela iria fotografar sem a ajuda de André. Procurou fazer tudo nos mínimos detalhes, mas, sempre tem algum imprevisto.
            A ideia era simples. Violet queria trabalhar na fotografia as concepções de “modelos de mulheres”, Anna seria aquela mulher para se casar: responsável, bem sucedida, envolvida com sua profissão, mas principalmente era uma esposa dedicada à casa e aos filhos, adorando programas familiares. Claire seria o inverso, era a mulher que tirava qualquer um do sério, dava água na boca, desinibida e bem sucedida, era “o imprevisto” na vida de qualquer um. Mas, de forma engraçada, bem sucedida no trabalho soava diferente para cada uma delas. A personagem interpretada por Anna era bem sucedida, mas por motivos vinculados à sua imagem ela não transmitia o mesmo desejo que a personagem de Claire, pois, muito do que estava agregado ao sex appeal dessa personagem era estar bem sucedida, dona de si e é claro dos outros.
            A concepção era mais simples ainda. Elas iam usar vestuários específicos, e procurar passar ao máximo a impressão proposta. O estúdio era o de André, aquele com uma cozinha eternamente aromatizada com café. Tornou-se até um bom local para se fotografar Anna. Foi o primeiro local onde foram. Violet sentiu o que André havia sentido anos atrás. A pele de Anna era diferente, a luz tocando no corpo dela era diferente. Era bonito sem fotografar, era fotográfico sem ter sido capturado e sem motivo. As curvas do corpo auxiliavam na economia dos raios de luz, alguns alcançavam a câmera e outros não. Anna ficava encantada, e quase se esquecia de clicar.
            Claire não conseguia parar de pensar na viagem até a casa de André. Ela conheceria o local onde Anna e André tiveram um affer. Ao entrar no estúdio logo sentiu o cheiro de café, esse café tinha história. Claire nunca foi ingênua a ponto de pensar que essa tal de Violet nunca teve nada com André. Ela tinha certeza que eles tiveram sim, e o café contribuiu para a conquista. Tinha a fama de ser irresistível, o café. Perdeu-se reparando em alguns equipamentos de fotografia. Trocou-se lentamente. Quando saiu do provador improvisado viu Violet admirando Anna através da câmera. Claire já a tinha visto nua, deitou-se com ela, mas, não pensou que pudesse ter alguma “novidade”. Foi ingênua. A novidade estava ali bem diante dos seus olhos. Anna, bela, iluminada pela luz de fim de tarde, com tons alaranjados em sua pele, curvas diferentes e roupas delicadas. Claire sentiu a “mensagem” que Violet queria que Anna passasse ao vestir aquela personagem. Claire queria casar com Anna. Mas, aquela não era mais Anna.
            Violet ficou impressionada com a qualidade interpretativa de Anna, ela despiu-se de si e vestiu-se da personagem quão rápido era necessário. André auxiliava com a maquiagem e outros adereços, ficava apenas ali nos bastidores, ajudando. Adiantou a feitura do café, depois deixou Anna fingir que o fazia, o cheiro estava invadindo o olfato de todos. “Pena que câmeras não captam cheiros” Violet pensou e lembrou. Memórias batiam à porta da lembrança cada vez que ela inspirava a fumaça do café. Perdeu a concentração algumas vezes, mas, nada que prejudicasse o trabalho.
            Anna estava se sentindo confortável com tudo aquilo. Era engraçado, mas, de certa forma desde o acontecimento com Claire, Anna não se enxergava como uma mulher que pudesse ter um relacionamento duradouro. Ela saiu com outras mulheres, outras modelos com beleza estonteante, mas, pouco afeitas com relacionamentos. Tudo era efêmero demais. Porém, bastou colocar aquela roupa que as possibilidades voltaram a semear sua mente. Pensou em como seria diferente dividir uma casa com alguém que amasse, fazendo alguns dengos. Imaginou-se como a personagem que interpretava. Fazendo café e esperando Claire. “Claire? Porque pensou na Claire? Será que ela realmente estava gostando da Claire? Depois de tanta coisa, era difícil, não podia estar gostando dela, não podia.” Negou-se com os olhos. Pensou que ninguém havia percebido.
            Logo Claire teve que jogar para fora a personagem arrasadora de corações e relacionamentos alheios. Teve que vestir um bom salto, cores altivas nas unhas e um vestido tulipa branco com um bolero preto, depois ficou toda de vermelho. As unhas eram de café com rebu, ajudou bastante com os close-ups. Olhares penetrantes pareciam atravessar a objetiva e encarar os olhos de Violet. Essa era realmente a intensão de Claire. Queria olhar dentro de Violet e descobrir o porquê dela estar tão interessada em Anna.
            As fotos foram sendo tiradas aos poucos. No fim, Claire deixou de pensar em Violet e Anna parou de pensar numa vida com Claire. André já estava conversando alto para fazê-las descontraírem ainda mais. Deixaram para lá o provador improvisado e começaram a trocar de roupa ali mesmo no estúdio. Claire ajudou Anna a retirar um vestido caseiro, com temas floridos. Nesse momento Violet não parou de fotografar. Elas se ajudavam e era como que se as personagens trocassem de lugar uma despia a outra.
            Claire e Anna perceberam a intenção. Entendiam o que Violet queria, enfim. Não era estatizar “modelos de mulheres”, mas, fazê-los dialogar. A mulher que “era um imprevisto” na vida de qualquer um poderia sim ser uma mulher para se casar. E a mulher para se casar, com certeza pode trazer muitos imprevistos. As roupas foram tiradas, e recolocadas em ordem inversa. O vestido florido que estava com Anna, agora estava vestido em Claire com o bolero vermelho. Anna vestia o vestido colado que Claire usava, mas estava sem salto e fazendo café. Violet observava atentamente e fotografava essa faze em preto e branco, procurava ao “retirar a cor” tornar as coisas mais equilibradas, desvincular das cores os “modelos de mulheres”.
            André ao ver aquilo ficou impressionado. Uma ideia que ainda não havia passado por sua cabeça. Olhou para Violet. Lembrou-se. Desejou-a intensamente. Despia-a com o olhar. Anna e Claire não importavam mais, elas pareciam ter uma vida juntas. Ele via o que queria ver: uma aprendiza inteligente e compromissada, com uma possibilidade de sucesso imensa.
            Anna e Claire sorriam e se divertiam com aquilo. Close-ups nos sorrisos. Duas mulheres lindas. Nada de mulher para isso, ou mulher para aquilo. Mulheres. Que traziam desejos imensos para qualquer um que as olhasse. Eram agora dois imprevistos na vida de qualquer pessoa. Eram imprevistos nas próprias vidas.
            Violet terminou e logo foi revelar algumas fotos, na medida em que elas ficavam prontas ia pendurando-as num varal, como roupas. Anna e Claire ainda estavam vestidas como as personagens e resolveram fingir que as fotos eram roupas penduradas. Violet continuou fotografando, mais alguns close-ups. Mais alguns sorrisos. Mais desejos. Mais olhares. Mais imprevistos. Mais lindas fotos.
            Vararam toda a noite com aquilo. André já não se aguentava de fome e levou todas as três para jantar num desses fast foods. Conversaram um pouco. Falaram sobre a gama de significado que aquelas fotos poderiam representar e o modo com o book seria lançado, a possível reação do público leitor. As interpretações seriam diversas. Mas, Violet parecia estar longe, pensando profundamente.

...
            Violet não conseguia se esquecer da expressão no olhar de Anna enquanto fazia o café. Parecia que estava negando alguma coisa. Violet pensava: “qual a negação? Será que era o ensaio fotográfico? Não! Ela descontraiu-se e saiu-se muito bem, foi tudo maravilhoso. O que então? Será que ela estava pensando no seu antigo caso com André – sentiu ciúmes – talvez não, espero que não. Será que era a personagem? Será que era a personagem que estava ali negando viver uma vida “doméstica”, de não ser “o imprevisto” na vida de alguém? Será que foi esta a negação de tudo, será que ao ver essa negação no olhar dela eu pensei em fazer aquilo com os modelos, misturá-los? Desconstruí-los e reconstruí-los? Transformá-los em um só? O que Anna estava pensando? O que Anna estava pensando?”.
            Violet escolheu aquela foto como capa do seu livro de fotografias. Anna interpretando a personagem de uma mulher para se casar, mas, que ao fazer café diário considerou em não viver mais aquela vida e seus olhos deixaram escapar esse questionamento. Anna estava no lançamento e quando viu a capa, voltou a pensar em Claire. Fazia uns dois meses que todo aquele ensaio havia passado, ela tinha viajado para alguma semana de moda e Claire tinha continuado seu trabalho na revista. Mal tinham se falado. Mas, Anna voltou a pensar nela. E enquanto assinava alguns livros estava com o mesmo olhar estampado na capa deles.

(Y. S. S.)

2 comentários:

  1. Créditos à Júnior Pereira, Simone Martins e Dayana Lima, por ajudarem a escrever alguns parágrafos sobre combinação de roupas e também nalgumas ideias para o texto!

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  2. As roupas expressam e se confundem com a sua personalidade, desejos, discursos....

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