Violet estava com a câmera na
mão. Ajeitava algumas configurações básicas enquanto falava um pouco com suas
modelos a fim de deixá-las confortáveis. Violet não sabia do envolvimento de
Claire e Anna, sabia apenas o que André havia dito: “São amigas de longas
datas, íntimas mesmo, vão ficar bastante confortáveis”. Mesmo assim Violet
estava nervosa. Era a primeira vez que ela iria fotografar sem a ajuda de
André. Procurou fazer tudo nos mínimos detalhes, mas, sempre tem algum
imprevisto.
A ideia era
simples. Violet queria trabalhar na fotografia as concepções de “modelos de
mulheres”, Anna seria aquela mulher para se casar: responsável, bem sucedida,
envolvida com sua profissão, mas principalmente era uma esposa dedicada à casa
e aos filhos, adorando programas familiares. Claire seria o inverso, era a
mulher que tirava qualquer um do sério, dava água na boca, desinibida e bem
sucedida, era “o imprevisto” na vida de qualquer um. Mas, de forma engraçada,
bem sucedida no trabalho soava diferente para cada uma delas. A personagem
interpretada por Anna era bem sucedida, mas por motivos vinculados à sua imagem
ela não transmitia o mesmo desejo que a personagem de Claire, pois, muito do
que estava agregado ao sex appeal dessa personagem era estar bem sucedida, dona
de si e é claro dos outros.
A concepção
era mais simples ainda. Elas iam usar vestuários específicos, e procurar passar
ao máximo a impressão proposta. O estúdio era o de André, aquele com uma
cozinha eternamente aromatizada com café. Tornou-se até um bom local para se
fotografar Anna. Foi o primeiro local onde foram. Violet sentiu o que André
havia sentido anos atrás. A pele de Anna era diferente, a luz tocando no corpo
dela era diferente. Era bonito sem fotografar, era fotográfico sem ter sido
capturado e sem motivo. As curvas do corpo auxiliavam na economia dos raios de
luz, alguns alcançavam a câmera e outros não. Anna ficava encantada, e quase se
esquecia de clicar.
Claire não
conseguia parar de pensar na viagem até a casa de André. Ela conheceria o local
onde Anna e André tiveram um affer. Ao entrar no estúdio logo sentiu o cheiro
de café, esse café tinha história. Claire nunca foi ingênua a ponto de pensar
que essa tal de Violet nunca teve nada com André. Ela tinha certeza que eles
tiveram sim, e o café contribuiu para a conquista. Tinha a fama de ser
irresistível, o café. Perdeu-se reparando em alguns equipamentos de fotografia.
Trocou-se lentamente. Quando saiu do provador improvisado viu Violet admirando
Anna através da câmera. Claire já a tinha visto nua, deitou-se com ela, mas,
não pensou que pudesse ter alguma “novidade”. Foi ingênua. A novidade estava
ali bem diante dos seus olhos. Anna, bela, iluminada pela luz de fim de tarde,
com tons alaranjados em sua pele, curvas diferentes e roupas delicadas. Claire
sentiu a “mensagem” que Violet queria que Anna passasse ao vestir aquela
personagem. Claire queria casar com Anna. Mas, aquela não era mais Anna.
Violet
ficou impressionada com a qualidade interpretativa de Anna, ela despiu-se de si
e vestiu-se da personagem quão rápido era necessário. André auxiliava com a
maquiagem e outros adereços, ficava apenas ali nos bastidores, ajudando.
Adiantou a feitura do café, depois deixou Anna fingir que o fazia, o cheiro
estava invadindo o olfato de todos. “Pena que câmeras não captam cheiros”
Violet pensou e lembrou. Memórias batiam à porta da lembrança cada vez que ela
inspirava a fumaça do café. Perdeu a concentração algumas vezes, mas, nada que
prejudicasse o trabalho.
Anna estava
se sentindo confortável com tudo aquilo. Era engraçado, mas, de certa forma
desde o acontecimento com Claire, Anna não se enxergava como uma mulher que
pudesse ter um relacionamento duradouro. Ela saiu com outras mulheres, outras
modelos com beleza estonteante, mas, pouco afeitas com relacionamentos. Tudo
era efêmero demais. Porém, bastou colocar aquela roupa que as possibilidades
voltaram a semear sua mente. Pensou em como seria diferente dividir uma casa
com alguém que amasse, fazendo alguns dengos. Imaginou-se como a personagem que
interpretava. Fazendo café e esperando Claire. “Claire? Porque pensou na
Claire? Será que ela realmente estava gostando da Claire? Depois de tanta
coisa, era difícil, não podia estar gostando dela, não podia.” Negou-se com os
olhos. Pensou que ninguém havia percebido.
Logo Claire
teve que jogar para fora a personagem arrasadora de corações e relacionamentos
alheios. Teve que vestir um bom salto, cores altivas nas unhas e um vestido
tulipa branco com um bolero preto, depois ficou toda de vermelho. As unhas eram
de café com rebu, ajudou bastante com os close-ups. Olhares penetrantes
pareciam atravessar a objetiva e encarar os olhos de Violet. Essa era realmente
a intensão de Claire. Queria olhar dentro de Violet e descobrir o porquê dela
estar tão interessada em Anna.
As fotos
foram sendo tiradas aos poucos. No fim, Claire deixou de pensar em Violet e
Anna parou de pensar numa vida com Claire. André já estava conversando alto para
fazê-las descontraírem ainda mais. Deixaram para lá o provador improvisado e
começaram a trocar de roupa ali mesmo no estúdio. Claire ajudou Anna a retirar
um vestido caseiro, com temas floridos. Nesse momento Violet não parou de
fotografar. Elas se ajudavam e era como que se as personagens trocassem de
lugar uma despia a outra.
Claire e
Anna perceberam a intenção. Entendiam o que Violet queria, enfim. Não era
estatizar “modelos de mulheres”, mas, fazê-los dialogar. A mulher que “era um
imprevisto” na vida de qualquer um poderia sim ser uma mulher para se casar. E
a mulher para se casar, com certeza pode trazer muitos imprevistos. As roupas
foram tiradas, e recolocadas em ordem inversa. O vestido florido que estava com
Anna, agora estava vestido em Claire com o bolero vermelho. Anna vestia o
vestido colado que Claire usava, mas estava sem salto e fazendo café. Violet
observava atentamente e fotografava essa faze em preto e branco, procurava ao “retirar
a cor” tornar as coisas mais equilibradas, desvincular das cores os “modelos de
mulheres”.
André ao
ver aquilo ficou impressionado. Uma ideia que ainda não havia passado por sua
cabeça. Olhou para Violet. Lembrou-se. Desejou-a intensamente. Despia-a com o
olhar. Anna e Claire não importavam mais, elas pareciam ter uma vida juntas.
Ele via o que queria ver: uma aprendiza inteligente e compromissada, com uma possibilidade
de sucesso imensa.
Anna e
Claire sorriam e se divertiam com aquilo. Close-ups nos sorrisos. Duas mulheres
lindas. Nada de mulher para isso, ou mulher para aquilo. Mulheres. Que traziam
desejos imensos para qualquer um que as olhasse. Eram agora dois imprevistos na
vida de qualquer pessoa. Eram imprevistos nas próprias vidas.
Violet
terminou e logo foi revelar algumas fotos, na medida em que elas ficavam
prontas ia pendurando-as num varal, como roupas. Anna e Claire ainda estavam
vestidas como as personagens e resolveram fingir que as fotos eram roupas
penduradas. Violet continuou fotografando, mais alguns close-ups. Mais alguns
sorrisos. Mais desejos. Mais olhares. Mais imprevistos. Mais lindas fotos.
Vararam
toda a noite com aquilo. André já não se aguentava de fome e levou todas as
três para jantar num desses fast foods. Conversaram um pouco. Falaram sobre a
gama de significado que aquelas fotos poderiam representar e o modo com o book
seria lançado, a possível reação do público leitor. As interpretações seriam
diversas. Mas, Violet parecia estar longe, pensando profundamente.
...
Violet não
conseguia se esquecer da expressão no olhar de Anna enquanto fazia o café.
Parecia que estava negando alguma coisa. Violet pensava: “qual a negação? Será
que era o ensaio fotográfico? Não! Ela descontraiu-se e saiu-se muito bem, foi
tudo maravilhoso. O que então? Será que ela estava pensando no seu antigo caso
com André – sentiu ciúmes – talvez não, espero que não. Será que era a
personagem? Será que era a personagem que estava ali negando viver uma vida “doméstica”,
de não ser “o imprevisto” na vida de alguém? Será que foi esta a negação de
tudo, será que ao ver essa negação no olhar dela eu pensei em fazer aquilo com
os modelos, misturá-los? Desconstruí-los e reconstruí-los? Transformá-los em um
só? O que Anna estava pensando? O que Anna estava pensando?”.
Violet
escolheu aquela foto como capa do seu livro de fotografias. Anna interpretando
a personagem de uma mulher para se casar, mas, que ao fazer café diário
considerou em não viver mais aquela vida e seus olhos deixaram escapar esse
questionamento. Anna estava no lançamento e quando viu a capa, voltou a pensar
em Claire. Fazia uns dois meses que todo aquele ensaio havia passado, ela tinha
viajado para alguma semana de moda e Claire tinha continuado seu trabalho na
revista. Mal tinham se falado. Mas, Anna voltou a pensar nela. E enquanto
assinava alguns livros estava com o mesmo olhar estampado na capa deles.
(Y. S. S.)
Créditos à Júnior Pereira, Simone Martins e Dayana Lima, por ajudarem a escrever alguns parágrafos sobre combinação de roupas e também nalgumas ideias para o texto!
ResponderExcluirAs roupas expressam e se confundem com a sua personalidade, desejos, discursos....
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