terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Lembranças de Violet: um pouco de passado


Ela estava em seus quinze anos. Era uma garota comum. Seu corpo era lindo, magro e não muito volumoso, mas com curvas, com seios e um pouco de bunda, pouco. Seus lábios tinham um peculiar tom rosado. Tão peculiar e tão rosado que Violet normalmente não usava batons, preferia deixar sempre seus lábios umedecidos. Seu olho era verde claro, mas, ela sabia usar o olhar para realçar a cor. O verde era claro, mas invasivo, observador.
            Na escola ela sabia como chamar a atenção, era dona de todos os garotos. As garotas morriam de inveja, principalmente porque ela não apenas tinha um corpo bonito, mas, também era estudiosa. Deveria passar nalgum curso importante, tipo Medicina ou Direito. Os professores sempre rasgaram elogios para ela. E ainda tinha um nome intrigante.
            Mas, poucos sabiam da vida familiar conturbada que Violet vivia. Seus pais deixaram se se amar antes mesmo dela nascer, mas, continuaram juntos por alguma convenção besta e hipócrita. Ela sabia disso muito bem. Poucos sabiam também que desde cedo Violet tinha despertado sua curiosidade sexual, e para alguns aquilo era herético ou diabólico. Algumas poucas vezes ela chegou a ver seus pais transarem, não era nada comum, sexo entre pessoas que não se amam é sempre muito estranho, meio afobado, brutal às vezes. Mas, ela ficava olhando, esquentando.
            Na escola gostava de chamar a atenção dos garotos, sempre ajeitava bastante o sutiã e a calcinha com uma frequência desnecessária. Ela gostava de chamar a atenção. Comum para pessoas com uma família complicada. Ela nunca recebia apoio, era uma adolescente carente e tarada. Ficava com alguns garotos, algo sempre escondido que desse para passar de alguns limites.
            O estranho para as outras meninas e até para os meninos entenderem, era como ela era tão estudiosa e tão levada. Coisa bastante incomum. Chegou-se a ter uma aposta para saber qual garoto conseguiria namorar a Violet. Quem ganhou essa foi o Carlos.
            Se o Carlos era um garoto diferente dos outros? Não. Ele tinha a lábia, sabia como convencer, era bonito, mas, nada excepcional. Era estudioso também, mas, preferia as humanidades. Gostava de interpretar aqueles livros que ninguém gostava de ler, e de brincar com a análise de músicas que seus pares não entendiam nada. Foi numa dessas que ele e Violet se perderam. Estava discutindo sobre um livro do Dostoievski, ou era um do Tolstói, divergiam em vários pontos. Mas, ele convenceu-a a se beijarem, passaram a noite toda assim, até finalmente ambos perderam a virgindade.
            Para Violet aquele foi um momento mágico. Pro Carlos também. Mas, foi muito desconcertante. A coisa foi melhorando aos poucos, depois de algumas outras vezes. Carlos não entendia todo o fogo daquela garota. Também não entendia porque depois de alguns meses de namoro ele não sentia muito tesão por ela.
            Violet era uma garota diferente, linda, cuidadosa, articulada, inteligente, gostosa. Mas, ele só pensava na próxima. As próximas eram demais. Sempre mais lindas mais interessantes. Era como se cada dia a mais com Violet era um dia a menos com outras garotas. Carlos se martirizava, até o dia em que não aguentou e saiu com uma garota prestes a terminar o ensino médio.
            Toda a escola comentou o caso, como sempre. Violet se escondeu em casa, por alguns dias, até não aguentar mais e criticar bastante seus pais. Custa nada lembrar, pois, estava ela sentada com sua família na mesa de jantar e seu pai lia o jornal. Violet olhou para o lado, viu a mãe implorar a atenção do marido com os olhos, barulhos e perguntas: “Amor quer comer arroz? Quer comer feijão? Amor quer comer Purê? As comidas hoje estão especiais”, cada vez que ouvia um quer, Violet esperava, já com o rosto contraído, a mãe falar para seu pai: “Amor quer fazer o favor de me comer?”.
- Pai, sabe qual o problema da nossa família? – Violet com essa pergunta interrompeu o desespero de sua mãe e o barulho do seu pai mastigando e instaurou um silêncio sepulcral.
- Qual Violet? – seu pai procurou saber o que a filha tinha para falar, mas, com ar de quem não se importava (e não se importava mesmo).
- Todas as possibilidades de diálogo foram cortadas na maternidade. Quer dizer, antes da maternidade. Você não queria ser pai, se quisesse seria um bom pai. Você o seria se fosse pai de um menino, como eu nasci mulher você me rejeitou e, rejeitou junto à possibilidade de “fazer” mais meninas. Com o passar dos anos as coisas pioraram, meu corpo foi se desenvolvendo, fui criando interesse pelo sexo oposto, e o sexo oposto criando interesse em mim até que enfim nós criamos interesse pelo sexo mesmo. A rejeição virou nojo. Você acha que eu nunca o percebi ouvindo por detrás da porta? Você acha mesmo que eu faria algo “errado” em casa? Você acha que eu, como posso dizer para ser menos chocante, me “tocaria” no meu quarto, com vocês a passos de distancia? Nunca. Nossa família foi substituída por um organismo que sobrevive no cotidiano. Não um cotidiano comum, necessário a vida em sociedade, mas ao cotidiano ordinário, com isso quero dizer medíocre, pois, não uso a palavraordinário com o significado de cotidiano, mas, de medíocre e extremamente tedioso. Acordamos, tomamos café juntos, vamos fazer nossas “obrigações sociais” depois voltamos para casa, jantamos juntos e nos lançamos em nossos mundinhos diários. Sem conversa, sem nada de diferente, apenas o ordinário, medíocre, tedioso e ordenador cotidiano. Sabe, não quero ser aquilo que vocês querem de mim. Nunca conversaram sobre isso, quero dizer conversar para dialogar, saber minha posição quanto a tais escolhas e não conversar para convencer. Normalmente vocês conversam para convencer, eu quero vencer sem ser coagida a isso. Quero estudar música, pintura, sociologia, aprender sobre os outros, aprender sobre o passado, sobre o universo, sobre como a Terra funciona, e sobre como nós deixamos de funcionar na Terra. Quero aprender sobre as relações entre as pessoas, sobre relacionamentos, sobre pessoas, sobre músculos – uso e desuso deles, aprender sobre a voz e como melhor utilizá-la, aprender o melhor modo de ajudar as pessoas, aprender sobre sexo, na prática! – Violet respirou profundamente enquanto observava as reações dos seus pais: jornal amassado, comida sobre a mesa, talheres ao chão, rostos “atabacados” e total descrença de que tudo aquilo havia saído da boca da sua “linda filhinha”.
            Após segundos ou minutos de total silêncio e troca de olhares, o pai de Violet sai da mesa lentamente com o rosto avermelhado. Sua mãe simplesmente ensaia verter uma única lágrima sobre o rosto. Violet se levanta e sai. Vai ao quarto, liga o computador, conversa com os amigos e conta as novidades daquela noite. Troca alguns recados salientes com meninos bonitos e gostosos e vai dormir.
            Ela estava “recuperada” nem precisou passar tanto tempo curtindo a fossa. Ela aprendeu muito com o Carlos. Aprendeu que realmente deveria usar o dom da dominação que tinha nela. Guardou uma imagem na mente. Adorava fazer isso. Sempre guardava boas imagens na mente.

...

            Violet guardou imagens na sua cabeça desde adolescente até os dias de hoje. Lembrava perfeitamente sua primeira noite com André. Lembrava perfeitamente seu primeiro ensaio fotográfico com Anna e Claire. Lembrava perfeitamente como elas eram belíssimas. Lembrava perfeitamente como sua capacidade em dominar o ajudou a conquistar Anna. Claire não ficou sabendo de anda disso.
            Mas, porque Anna era a tão desejada? O que tinha de especial nos tons rosados do corpo dela? Violet se perguntava. Era normal para ela ser sempre a mais desejada, isso desde adolescente. Anna era daquele jeito. Simplesmente era. E o mais interessante, ela podia ser dominada, mas logo fugia. Todos sempre fugiam de Violet, foi assim com Carlos e assim seria com todos.
            A convivência não estava dando mais certo, o sexo também não. Violet precisava de um homem e Anna parecia precisar de André ou de Claire, ou dos dois juntos. Era sempre muito estranho, pois, Anna nunca se contentava com Violet. Elas brigaram durante algum tempo. Violet sentiu que a estava perdendo. Mal sabia que todos estavam perdendo Anna.

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